Flávia Arlanch Martins de Oliveira. (Unesp- Marilia) em Padrões alimentares em mudança: a cozinha italiana no interior paulista” mostra as famílias dos imigrantes conservaram hábitos alimentares do país de origem e incorporaram outros tipicamente locais.
"O depoimento de Justina Guarnieri Batocchio, filha de italianos sulistas, nascida em Jaú em 1901, em que relata as condições da alimentação de sua família (quando ela era criança), permite avaliar melhor o padrão da maioria dos imigrantes italianos que trabalhavam nas fazendas de café. Esclarece que 'diariamente comiam feijão com polenta e abobrinha, ressaltando, porém, que não era porque gostassem, mas sim pela condição de pobreza de sua família'. Quanto à carne, eles só comiam a cada cinco ou seis meses, quando seu pai matava um porco. Mas não deixavam faltar no quintal uma horta onde eram cultivadas para o consumo verduras como almeirão, couve, pimenta, cebolinha verde.19
Algumas ilações podem ser feitas a partir das informações dadas por Justina. Seus pais, oriundos de Bari, no sul da Itália, onde a farinha de trigo, a cevada e as verduras eram os principais componentes da cozinha camponesa, pelas novas condições de vida viram-se compelidos a introduzir nas refeições diárias o arroz, o feijão e a polenta. A inclusão desta última se dava pelo preço acessível do fubá, pois esse alimento, como afirma Zuleika Alvim, não fazia parte do hábito alimentar do sulista. Isso nos remete à questão das formas como os imigrantes viviam nas fazendas cafeeiras, ou seja, morando geralmente em casas geminadas que punham em contato direto imigrantes de diferentes regiões da Itália. Apenas uma parede dividia o espaço das duas cozinhas, o que levava os imigrantes a estabelecerem um contato direto com hábitos alimentares de diferentes regiões de seu próprio país, até então desconhecidos por eles.
Certamente o convívio com imigrantes do norte e do centro da Itália fez que a polenta fosse logo adotada pelos imigrantes de origem sulista.
A cozinha italiana mais diferenciada também já era conhecida no interior de São Paulo no início do século XX. Em Jaú, quando o vice-cônsul italiano, Dr. Arthur Maffei, visitou a cidade em 1910, a ele foi oferecido pela colônia italiana um jantar no Hotel Capone.
O cardápio organizado para esse banquete é um indicativo de que pratos diferenciados da cozinha italiana já eram conhecidos no interior de São Paulo. Constavam desse cardápio:
Antepasto – Salmone alla colônia italiana, Raviolli alla Maffei, "Role" alla giardineira, Scalopine di porco alla Capone, Aspargi alla salsa mussolina, Carciofi all=inferno, Tachino alla brasiliana, Prosciuto, Insalata.
Vinhos – Madeira-grave, Ponte Cannes, Chianti, Bordeaux, Spumante italiano, Champagna.
Frutas, formagio e café
Liquori – Avana"
Um blog para difundir e aprofundar temas da presença italiana no Brasil, bem como valorizar o Made in Italy. Um espaço para troca de informações e conhecimento, compartilhando raízes comuns da italianidade que carregamos no sangue e na alma. A italianidade engloba a questão das nossas raízes italianas e também reserva um olhar para a linha do tempo, nela buscando e resgatando uma galeria de personagens famosos ou anônimos que, de alguma forma, inseriram seus nomes na História do Brasil.
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Gastronomia: a incorporação da cozinha italiana no interior paulista (2)
Na pesquisa “Padrões alimentares em mudança: a cozinha italiana no interior paulista”, Flávia Arlanch Martins de Oliveira. (Unesp- Marilia) fala sobre outra face peculiar da imigração italiana: a paixão do imigrante pelo vinho.
"No âmbito dos costumes alimentares dos italianos, um deles enunciava de forma muito positiva sua identidade: o vinho. Seu consumo pela sociedade peninsular vinha de um tempo muito distante, com uma história que se perdia no tempo e se embrenhava no mito.
Ele era associado pela sociedade mediterrânea, desde tempos imemoráveis, a uma propriedade nutritiva importante. Embora para o camponês italiano o vinho ocupasse um papel fundamental como componente alimentar no período da grande emigração desencadeada a partir de meados da década de 1880 — em razão da pobreza que assolava as regiões agrícolas do interior da Itália —, seu consumo passou a ser um privilégio das classes mais abastadas.
Sereni, historiador italiano que estuda esse período, faz referência a camponeses reclamando do estado de miséria em que viviam. Embora cultivassem a videira, não bebiam o vinho.7 No Brasil, os imigrantes italianos procuravam fazer do vinho um ponto de referência de suas identidades, mesmo sendo essa bebida uma regalia de poucos. Era com muito orgulho que eles propagavam o hábito de ingerir a bebida, e com muita vaidade explicitavam a qualidade do vinho procedente da mãe-pátria".
"No âmbito dos costumes alimentares dos italianos, um deles enunciava de forma muito positiva sua identidade: o vinho. Seu consumo pela sociedade peninsular vinha de um tempo muito distante, com uma história que se perdia no tempo e se embrenhava no mito.
Ele era associado pela sociedade mediterrânea, desde tempos imemoráveis, a uma propriedade nutritiva importante. Embora para o camponês italiano o vinho ocupasse um papel fundamental como componente alimentar no período da grande emigração desencadeada a partir de meados da década de 1880 — em razão da pobreza que assolava as regiões agrícolas do interior da Itália —, seu consumo passou a ser um privilégio das classes mais abastadas.
Sereni, historiador italiano que estuda esse período, faz referência a camponeses reclamando do estado de miséria em que viviam. Embora cultivassem a videira, não bebiam o vinho.7 No Brasil, os imigrantes italianos procuravam fazer do vinho um ponto de referência de suas identidades, mesmo sendo essa bebida uma regalia de poucos. Era com muito orgulho que eles propagavam o hábito de ingerir a bebida, e com muita vaidade explicitavam a qualidade do vinho procedente da mãe-pátria".
Gastronomia: a incorporação da cozinha italiana no interior paulista (1)
No contexto das pesquisas sobre diáspora italiana com destino ao Brasil no século XIX não faltam estudos sobre a influência de hábitos alimentares dos imigrantes no mundo urbano e rural brasileiro. Uma dessa análises vem do campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Campus Marília, e traz a assinatura de Flávia Arlanch Martins de Oliveira.
No trabalho intitulado “Padrões alimentares em mudança: a cozinha italiana no interior paulista”,
a pesquisadora faz uma abordagem a respeito da inserção da cozinha italiana, tomando como exemplo principal as cidades de Jaú, Descalvado, São Carlos do Pinhal e Brotas, todas localizadas na área central do estado de São Paulo. O texto de Flavia de Oliveira começa traçando um quadro da culinária italiana dentro própria Itália no período da grande imigração (final do século XIX e início do XX).
“Na cozinha italiana, muitos pratos que no final do século XIX e início do XX começaram a serem divulgados como pertencentes a uma tradicional gastronomia peninsular, na verdade nada mais eram que criações recentes. É a partir das últimas décadas do século XIX, especialmente na época da chamada grande imigração desencadeada a partir de 1885, que tem início um processo de modificação dos costumes alimentares na Itália. Pratos em cuja composição entrava uma diversidade se novos ingredientes começaram a aparecer, mas eram então saboreados estritamente pela elite peninsular. A massa da população, composta na sua maioria por camponeses que sobreviviam com parcos recursos, dispunha de um padrão alimentar muito pobre”
“Sobre a mesa de um camponês setentrional a carne aparecia não mais que uma vez por mês, e entre aqueles que viviam nas regiões meridionais, sua ocorrência não se dava mais do que uma vez ao ano. Por seu menor custo e por saciar mais, camponeses do norte se alimentavam exclusivamente de milho, enquanto os do sul restringiam sua alimentação praticamente no pão negro de cevada, cozido duas ou três vezes por ano”
"Portanto, quando os imigrantes começaram a deixar a Itália em meados da década de 1870, praticamente não tinham conhecimento do que logo depois passou a ser denominado 'cozinha regional italiana'. As famílias provenientes da Itália setentrional e central utilizavam o milho na forma de fubá para fazer polenta, e os da Itália meridional, para misturar fubá à farinha de trigo e confeccionar broas. Também tinham disponíveis o feijão, o arroz, a batata e muitas verduras frescas. Usavam em pequena quantidade a carne de porco e o toucinho, e menos ainda a carne bovina.
Ovos e frango igualmente faziam parte da alimentação dos colonos das fazendas de café. Zuleika Alvim, também investigando o cotidiano dos imigrantes no campo, informa que "se nas dietas dos italianos do Norte predominava a polenta, no Sul contava-se basicamente com o pão de farinhas de cevada ou centeio acompanhado de verduras e cebolas cruas".
No trabalho intitulado “Padrões alimentares em mudança: a cozinha italiana no interior paulista”,
a pesquisadora faz uma abordagem a respeito da inserção da cozinha italiana, tomando como exemplo principal as cidades de Jaú, Descalvado, São Carlos do Pinhal e Brotas, todas localizadas na área central do estado de São Paulo. O texto de Flavia de Oliveira começa traçando um quadro da culinária italiana dentro própria Itália no período da grande imigração (final do século XIX e início do XX).
“Na cozinha italiana, muitos pratos que no final do século XIX e início do XX começaram a serem divulgados como pertencentes a uma tradicional gastronomia peninsular, na verdade nada mais eram que criações recentes. É a partir das últimas décadas do século XIX, especialmente na época da chamada grande imigração desencadeada a partir de 1885, que tem início um processo de modificação dos costumes alimentares na Itália. Pratos em cuja composição entrava uma diversidade se novos ingredientes começaram a aparecer, mas eram então saboreados estritamente pela elite peninsular. A massa da população, composta na sua maioria por camponeses que sobreviviam com parcos recursos, dispunha de um padrão alimentar muito pobre”
“Sobre a mesa de um camponês setentrional a carne aparecia não mais que uma vez por mês, e entre aqueles que viviam nas regiões meridionais, sua ocorrência não se dava mais do que uma vez ao ano. Por seu menor custo e por saciar mais, camponeses do norte se alimentavam exclusivamente de milho, enquanto os do sul restringiam sua alimentação praticamente no pão negro de cevada, cozido duas ou três vezes por ano”
"Portanto, quando os imigrantes começaram a deixar a Itália em meados da década de 1870, praticamente não tinham conhecimento do que logo depois passou a ser denominado 'cozinha regional italiana'. As famílias provenientes da Itália setentrional e central utilizavam o milho na forma de fubá para fazer polenta, e os da Itália meridional, para misturar fubá à farinha de trigo e confeccionar broas. Também tinham disponíveis o feijão, o arroz, a batata e muitas verduras frescas. Usavam em pequena quantidade a carne de porco e o toucinho, e menos ainda a carne bovina.
Ovos e frango igualmente faziam parte da alimentação dos colonos das fazendas de café. Zuleika Alvim, também investigando o cotidiano dos imigrantes no campo, informa que "se nas dietas dos italianos do Norte predominava a polenta, no Sul contava-se basicamente com o pão de farinhas de cevada ou centeio acompanhado de verduras e cebolas cruas".
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