O artigo “Por uma etnografia feminista das migrações
internacionais: dos estudos de aculturação para os estudos de gênero” , de autoria de Ethel V. Kosminsky ( Universidade
Estadual Paulista, campus de Marília) toma como referência o livro Italianos no mundo rural paulista), de
João Baptista Borges Pereira. O professor da USP, nos anos 60 realizou pesquisa
na cidade de Pedrinhas, interior de São Paulo.
Num dos capítulos dessa importante obra, Borges Pereira mostra que havia diferenças
entre as mulher italiana meridional e a mulher italiana vinda do Norte.
“ Após distinguir a mulher proveniente do sul e aquela
originária do norte da Itália, em diferentes situações observadas, Borges
Pereira afirma que a mulher do norte, em situações públicas,
‘é pouco resguardada de contatos com indivíduos de outro
sexo. Vendo-a em situações públicas, não se tem a impressão de que ela esteja
sob o controle do marido. Traja-se mais dentro da "moda", e a
passagem da situação de solteira para a de casada não altera neste ponto o seu
comportamento. As mudanças são determinadas, em tais aspectos exteriores,
apenas pela idade que distingue a anciã da jovem mulher casada. Dentro de casa,
a situação se altera; desaparece a mulher relativamente comunicativa e surge a
mulher silenciosa. Hospeda o visitante com polidez, porém com certa frieza. Seu
marido é o seu porta-voz, ao atender o visitante e ao responder às perguntas
que lhe são formuladas, mesmo as de caráter doméstico. Raramente ela participa
do assunto, embora esteja no mesmo recinto da reunião. Em geral, ela fica
distante dos interlocutores, a um canto da sala, silenciosa, mas ouvindo toda a
conversação. A confiar, porém, nos informantes masculinos, todo esse alheamento
é apenas aparente e superficial, ditado por padrões de etiqueta, que de forma
alguma a colocam à margem dos assuntos mais importantes da família. Para usar a
expressão de um informante, a "hora da mulher falar é no
travesseiro". À noite, a sós com o marido, ela dá a sua opinião, e desta
forma dirige os rumos dos acontecimentos. À luz do dia – para usar uma
comparação cômoda – o chefe transmite, como sendo dele, a opinião expedida pela
esposa, que o grupo aceita como tendo partido do capo. Os filhos já conhecem a
influência de bastidores da mulher subreptícia, por isso toda a técnica de aproximação
do pai começa pela aproximação da mãe, sem, porém, colocar em dúvida a
autoridade paterna’
Sobre a mulher do sul relata o pesquisador que,
‘quando sai à rua, está sempre sob a vigilância ostensiva do
marido, exibindo ar de tristeza, que a roupa preta acentua. Quando o esposo
está a seu lado, ela demonstra muita vivacidade, conversa com desenvoltura com
os homens que lhe dirigem a palavra, toma a iniciativa das compras; quando
longe do marido, ela fica cabisbaixa e silenciosa, evitando inclusive o olhar
de outros homens. Esta mulher passa por extraordinária metamorfose quando
substitui a rua pelo lar. Nos domínios domésticos, nada resta da mulher
submissa e inibida. Em seu lugar, surge a "rainha da casa" – para
usar a expressão predileta com a qual os italianos costumam designar a mulher
em seu imperialismo doméstico. Exuberante nos gestos e no falar, quase sempre
risonha, nega em tudo aquela tristeza pública. Vai porém, rapidamente, de um
tema alegre para um assunto triste, e acompanhando a transição do tema, todo o
seu semblante e seus gestos e sua voz se alteram, compondo a máscara de uma
representação cênica. Loquaz, desinibida e desenvolta em casa quer na ausência
ou na presença do marido, hospitaleira sem formalismo, ela toma sempre a
iniciativa da conversa, colocando marido e filhos em segundo plano. Estes,
quando falam, estão sempre reticentes, à espera da aprovação da "rainha",
que se faz entender pelo simples olha’ ”.(Fonte: Ethel V. Kosminsky Universidade Estadual Paulista, campus de Marília - in www.scielo.com.br )