O jornal Folha de S.Paulo, publicou em
setembro de 2007 entrevista com o professor Aneglo Trento, da Università di Napoli. A repórter Adriana Marcoloni abordou com Trento a temática fascismo-imigração iatalina no Brasil. A seguir, um trecho dessa entrevista.
FOLHA – O fascismo foi um instrumento para a identidade e a integração dos imigrantes italianos na sociedade brasileira?
ANGELO TRENTO – O fascismo foi, certamente, um instrumento de construção (e, para as camadas médias, de fortalecimento) de uma identidade nacional que também envolvia as classes populares, que por muito tempo, depois da unidade da Itália [no século 19], haviam permanecido ligadas a uma dimensão regional, quando não local, expressa por meio de usos, costumes e vários dialetos, segundo a região de nascimento. Com sua agressividade verbal, porém, o governo de Mussolini também estimulou uma atitude de distanciamento em relação à sociedade de acolhimento. Esse sentimento de estranhamento representou a exceção e não a regra, mas não resta dúvida de que a aquisição de uma consciência nacional acabou por identificar a italianidade com o fascismo. Assim, as manifestações dos seguidores de Mussolini em terras brasileiras (como em tantos outros países) se identificaram com hinos, desfiles e a ostentação de camisas pretas, terminando por criar uma fricção com a população local.
FOLHA – O governo de Mussolini queria fazer do Brasil uma “nação fascista” ligada a Roma ou nutria pretensões imperialistas?
TRENTO – A ideia do fascismo era aproveitar o número significativo de italianos que viviam e trabalhavam em alguns países da América Latina para criar grupos de pressão e uma atmosfera favorável à Itália, sob a forma de simpatias políticas e com fins econômicos e comerciais, posição já presente na classe dirigente italiana a partir do final do século 19. Não havia pretensões imperialistas nem de expansão territorial.
FOLHA – Em geral, a historiografia brasileira afirma que a ideologia fascista só encontrou seguidores entre a elite da coletividade italiana, enquanto as classes populares abraçaram o anarquismo. Isso é verdade?
TRENTO – Foi apenas uma minoria que se empenhou no movimento operário, defendendo posições anárquicas, anarcossindicalistas e socialistas. De qualquer forma, isso aconteceu antes dos anos 1920 (caracterizados no Brasil por uma grande repressão). O fascismo encontrou sem dúvida um vasto consenso entre a coletividade italiana e não apenas entre as classes altas e as camadas médias, mas também entre a pequena burguesia (como na Itália), principalmente comercial, e entre os próprios operários, principalmente nos anos 1930. Vários fatores contribuíram para esse êxito: primeiro, a ausência ou a fraqueza de um componente do “Risorgimento” na emigração que se dirigiu para o Brasil, a qual, ao contrário do que aconteceu na Argentina e no Uruguai, não havia antes dominado o mundo das associações regionais, orientando-o politicamente de forma desfavorável ao regime.
Em segundo lugar, influiu uma obra de propaganda mais minuciosa, que se valeu não apenas de bolsas de estudo concedidas aos jovens brasileiros, convites de viagem para jornalistas, projeções de filmes e subsídios a jornais locais que falavam bem do regime, mas também de iniciativas culturais (professores visitantes nas universidades brasileiras) e empreendimentos que atingiam o imaginário coletivo, como as travessias aéreas do Atlântico que tinham como meta o Brasil, realizadas por pilotos italianos entre 1927 e 1931. Em terceiro lugar, o prestígio elevado de que gozava Mussolini com a opinião pública, as classes dirigentes e os governos estrangeiros influenciava principalmente os emigrantes. Enfim, no Brasil, havia, mais que nos outros países de forte imigração italiana na América Latina, um corpo diplomático altamente fascistizante depois de 1925.
Nenhum comentário:
Postar um comentário