Na Revista Cult, Djalma Cavalcante (antropólogo, foi professor na Universidade de Roma "La Sapienza", e coordenador da Comissão Organizadora
do Centenário do Nascimento de Alcântara Machado, o escritor modernista autor de Brás, Bexiga e Barra Funda) fala sobre o talento do ilustrador Voltolino, pseudônimo do oriundo Lemmo Lemmi.
'Um ilustrador que exerceu significativa influência sobre
António de Alcântara Machado foi Voltolino (nome artístico de Lemmo Lemmi,
paulistano, filho de imigrantes italianos, nascido em 1884 e falecido em 1926).
Tal influência era reconhecida conscientemente por António, ao ponto de a
dedicatória do Brás, Bexiga e Barra Funda ter sido dirigida à memória do
desenhista e de o primeiro artigo da coluna Saxofone, no Jornal do Comércio de
São Paulo de 4 de setembro de 1926 ter tido
Voltolino como tema. Vejamos trechos desse artigo:
’Para mim o que há de melhor na obra deixada por Voltolino é a fixação do ítalo-paulista. Fixação humorística. Triste também. Voltolino inspirava-se no ambiente. Daí o seu mérito. Foi o caricaturista deste momento inapreciável que a gente vive. Lápis desgracioso, o seu. Deselegante como ele só. Por isso mesmo caricaturava melhor os humildes. ... Com dois traços apanhava o tipo em flagrante. O desenho era apressado mas seguro... Sua obra nasceu toda de momento. Suas caricaturas eram sempre provocadas. O assunto surgia sem ser buscado. Assim muito naturalmente: na rua, no noticiário dos jornais, nos acontecimentos do dia. O desenho tinha relação com o instante em que aparecia. Datava sempre um fato. Marcava um tipo ocasional. Comentava. Sublinhava. ... Sob certo aspecto continuou Angelo Agostini. Ele em São Paulo e J. Carlos no Rio ficarão sendo os ilustradores de sua época. ... Os caricaturistas brasileiros imitando os seus patrícios pintores têm se dedicado quase que exclusivamente à interpretação do negro e do caboclo. ... Voltolino enriqueceu a galeria com mais um tipo: o ítalo-paulista. Criou o Juó Bananere. Ou melhor: a família de Juó Bananere. ... Eu o via passar todas as noites quase madrugada sozinho, o olhar meio injetado, o passo meio incerto. Hora suja das varredeiras da Limpeza Pública. Hora úmida da garoa. Hora dos automóveis farristas. Hora do guarda noturno de capotão e porrete. (Horas que Voltolino amava e eu amava nos desenhos dele) Seu vulto comprido agigantava-se na bruma. Depois era um borrão. Depois nada’.
Voltolino influenciou António por dois caminhos: pela
maneira como desenhava e através de sua máxima criação, ou seja, Juó Bananere,
o personagem pelo qual Alexandre Marcondes
Machado parodiava a colônia italiana de São Paulo.
O desenho simples e sintético de Voltolino tinha a espontaneidade de uma piada e essa característica foi o principal ponto de contato entre a sua linguagem gráfica e a linguagem literária de António.
Lendo a obra jornalística ou ficcional de António de Alcântara Machado, percebemos que, em certa medida, ao falar de Voltolino, está falando de si mesmo. As características e as qualidades que ele aponta para o ilustrador são idênticas às suas. António em São Paulo e João do Rio no Rio de Janeiro foram os cronistas de sua época da mesma forma que Voltolino e J. Carlos o foram na caricatura.
Voltolino nunca desenhou para os escritos de Antonio, mas inspirou-os. O mesmo foco de atenção (os bairros humildes, os tipos corriqueiros e, principalmente, os ítalo-paulistas) e o mesmo traço sintético e preciso caracterizam a obra de ambos. Voltolino desenhando propunha todo um discurso verbal. António escrevendo nos propunha um filme subliminar' ".
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