Contista, cronista, crítico literário, romancista e
jornalista. Essas são as faces de Antonio Castilho de Alcântara Machado de
Oliveira (São Paulo25/05/1901 - 14/04/1935),
uma das figuras centrais do modernismo brasileiro, autor do livro Brás, Bexiga
e Barra Funda. A obra é uma seleção de 11 contos ambientados em bairros
paulistanos onde era marcante a presença de imigrantes italianos.
O mundo virtual da internet oferece inúmeros textos que
analisam Brás, Bexiga e Barra Funda. Um
deles é de autoria do embaixador Rubens Ricupero. O diplomata inicia sua análise
descrevendo o contexto histórico que permeou a obra de Alcântara Machado.
“As duas primeiras
décadas do século marcam o momento de maior intensidade da maneira de ser
ítalo-brasileira. Antes, predominava o ítalo, o estrangeiro inseguro,
preocupado em sobreviver, ignorante da língua e dos costumes. Depois, irá
prevalecer, pouco a pouco, o brasileiro, o neto ou bisneto de italianos
integrado na comunidade, vivendo em bairros de gente afluente, não guardando
mais do que algumas palavras na língua dos avós.
Entre esses dois pólos
extremos, de cultura mais ou menos homogênea, estende-se o período híbrido da
mistura das línguas e das comidas, do apagar gradual dos valores e imagens do
país que ficou atrás e do engajamento progressivo na realidade nova. É quando os filhos de
imigrantes, confiantes em seus direitos de brasileiros natos, mais à vontade na
língua que aprenderam no Grupo Escolar do que no dialeto ouvido em casa, se
lançam à luta pela conquista de um lugar melhor na sociedade de adoção.
Às vezes com
agressividade, sempre com energia, esses ítalo-brasileiros vão abrir um espaço próprio,
que a cidade lhes concede com maior ou menor dificuldade, pois está também em
plena expansão.
Do burgo provinciano e
modorrento de 1800, só animado pelos estudantes da velha Escola de Direito,
quase perdendo para Campinas sua condição de Capital da Província, São Paulo prepara-se para ingressar no
ciclo contínuo de transformações que irá multiplicar-lhe 40 vezes a população — dos
165 mil habitantes de 1890 para os mais de 7 milhões atuais.
A prosperidade do café na
segunda metade do século XIX, antes das crises de superprodução deste século,
gera a acumulação de capitais que vai tornar possível a arrancada da
industrialização.
ma convergência de circunstâncias propícias concorre para
fazer de São Paulo a grande metrópole industrial de hoje: os capitais dos
barões e comissários do café; a energia elétrica produzida pelos canadenses da
Light na represa Billings, vizinha à cidade; a mão-de-obra e o mercado
consumidor fornecidos pelos imigrantes; as restrições às importações
conseqüentes à Primeira Guerra Mundial.
]
Os imigrantes italianos
serão, ao mesmo tempo, agentes ativos e beneficiários da industrialização e os
nomes peninsulares ficarão para sempre ligados à revolução industrial paulista.
A participação italiana é sensível já na fase inicial de indústria de bens de
consumo, alimentos ou tecidos, dominada pelos Matarazzos e Crespis, durante a
qual o Conde Francisco Matarazzo aparece como a figura simbólica dos novos
magnatas, uma espécie de Rockefeller paulista.
Mais tarde, ela se acentua no
desenvolvimento da indústria pesada de máquinas e equipamentos, onde a
inventividade mecânica dos italianos do norte vai criar os gigantes industriais
de hoje, os Bardellas, os Dedinis, os Romis.
Se a História, mais
sensível ao êxito ostensivo do que às vidas obscuras, vai guardar apenas os
nomes dos donos de fábricas, é preciso não esquecer que eram também, em geral,
italianos os que operavam essas fábricas. E serão italianos os trabalhadores
que introduzirão no Brasil as correntes de pensamento e ação sociais da Europa
contemporânea, o que se chamava, na linguagem policial de então, as doutrinas
exóticas: o anarquismo, o socialismo, o movimento sindical, a organização
das primeiras greves.
É nesse contexto dinâmico
de expansão econômica, de aumento da população, de modernização urbana, de
criação de oportunidades que se situam dois fenômenos, um cultural, outro
sociológico: a Revolução Modernista de 22 e a emergência da geração dos filhos
de imigrantes. Do encontro desses mundos vai surgir o livro de Alcântara Machado.
Os dois movimentos
apresentam afinidades evidentes. Ambos são jovens, vigorosos, modernos,
inovadores, numa postura que se pode resumir como basicamente otimista diante
da possibilidade de construir o futuro.
E o que vai explicar, no
livro, de um lado, a ênfase na descrição do que é força, ascensão, êxito, na
vida do imigrante e, de outro, o silêncio sobre o problemático e as tensões
mais profundas, a presença da dor apenas sob a forma de sentimento
individualista”.
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