A prefeitura mantém ativo o site São Paulo Minha Cidade, aberto para receber postagens relatando memórias pessoais sobre bairros paulistanos. É o caso de Sao Paulo Minha Cidade, que relata recordações do Bexiga, bairro que recebeu grande contingentes de italianos.
"Quem te viu, que te vê, meu saudoso Bexiga. Quem te viu como eu,
vem a lembrança a amizade entre os vizinhos, a parceria sincera que
norteava os amigos, sem falar da ajuda mútua sempre presente nas
famílias "bexigentas". Bons tempos foram aqueles.
Nasci na Rua Major Diogo, no. 680 (esta rua começa na Rua Santo Antonio e termina na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio).
Minha
avó paterna veio da Itália (palazzo San Gervásio, província de
Potenza), viúva, com seus dois filhos: Domingos e Carlos. Este último,
Carlos Belviso, veio a ser meu pai. Minha mãe chamava-se Adelina Rubano.
Chegada
da Itália, foi morar na Rua Major Diogo, no. 735, onde casou-se
novamente com Antonio Lancelotti (bastante conhecido no bairro, por sua
honestidade e bondade com o próximo).
Minha infância foi alegre, saudável e muita amizade entre os coleguinhas, aliás, uma das muitas marcas do Bexiga.
Fiz
o jardim da infância numa escola no Morro dos Ingleses. Lembro-me como
se fosse hoje, o sabor ainda na boca, do meu preferido, o sanduíche de
pão doce com bastante mortadela.
Em seguida ao jardim da infância
estudei na escola italiana "Arnaldo Pratola", que ficava na mesma rua
onde nasci, e seu proprietário e professor era o famoso educador
Giuseppe Cardinale. Esta escola lançou as primeiras sementes para a
formação futura de nosso caráter. A disciplina, a honestidade, a
honradez, a verdade, sempre eram uns dos seus lemas. Ah!, se tivéssemos
hoje escolas desse naipe... Que maravilha.
A conclusão do curso
primário deu-se no Grupo Escolar Júlio Ribeiro, na Rua Major Diogo, no.
200. Escola muito boa em que seus professores realmente se dedicavam.
Que boas lembranças tenho da professora dona Marina, que junto dos
alunos, um a um, se preciso, nos ensinava com paciência.
Nesse
grupo escolar, nós, brasileiros atuantes (olhe só, tínhamos pouca idade)
fazíamos coleta de borracha para ser usada na 2a. Guerra Mundial, e
depositávamos no pátio da escola. Conseguíamos verdadeira montanha de
borracha. Época muito boa essa.
Já mocinho, passei a estudar no
Colégio Santo Alberto, na Rua Martiniano de Carvalho, junto à Igreja de
Nossa Senhora do Carmo, dos padres carmelitas. Lembro-me, com saudades e
admiração, dos professores: Benedito, na matemática, Mendes, em
português, Mecozzi, no desenho, Oswaldo, na geografia, o diretor frei
Romualdo, e outros que não me vêm à memória.
Nessa época os
amigos eram muitos. O Massao (Mário), filho do seu José e da dona Maria,
japoneses, proprietários da quitanda, era parceiro algumas vezes do
jogo de cartas típico italiano chamado Tre sete. Falava também um pouco
do italiano. A coisa mais gostosa na quitanda era o coco em pedaços e o
caqui.
Bem em frente de minha casa, num humano cortiço, filho de
dona Giusepina e do Sr. Antonio "verdureiro", meu amigo Valter Pugliese
era um constante parceiro nas brincadeiras (futebol, jogo de bolinhas de
vidro, bate bate de folhinhas, com estampas dos jogadores da época). Na
mesma "mansão" morava um crioulo, cujo apelido era Nori, ótima pessoa e
também falava um pouco de italiano. Onde você o encontrava estava
sempre sorrindo.
Meu outro vizinho do lado esquerdo de minha
casa, grande amigo também, o "Grute", seu apelido, cujo nome era Walter e
sobrenome Saladino, e seus irmãos Paschoal e Bolonha.
Recordo-me
da família Cimino, que morava em frente. Lá juntavam-se várias mulheres
do bairro (pagas) para "catar" amendoim (separar as impurezas). Era uma
verdadeira zorra. Nós crianças ficávamos vendo e rindo de suas
palhaçadas. O divertimento era geral. Outro amigo que não esqueço é o
Armando Albanese e seu irmão. Este foi o precursor da famosa até hoje
Padaria São Domingos. Caso "chocante" para aquela época foi que a irmã
deles casou já grávida. Que bobagem hoje.
O domingos Barinote,
que se formou médico, os Carbone, o Antonio Bracco, seus irmãos Zé
Molinho (José) e Paulo. Que penca de amigos, mas amigos verdadeiros.
O
que não me sai da memória são as duas "vendas" (empórios) situadas na
minha rua: a do Felício De Carli e a outra do Gino Vanucci e seu irmão
Mário. Na do Felício fazíamos as compras dos mantimentos e outros
gêneros na velha caderneta, com pagamento mensal. Na do Gino, além de
várias compras para abastecer minha casa, eu adorava, não perdia por
nada, o famoso sanduíche composto de duas fatias grossas de queijo
parmesão e, como recheio, uma também grossa fatia de mortadela. Família
excelente os Vanucci, os Lupo, cujo amigão Dino Vanucci Lupo era
companheiro de saídas, de cinemas, de jogo de futebol. E o Roberto
Muraco, filho do açougueiro, que tinha em sua casa dois verdadeiros
guardiões, ninguém entrava em sua casa: eram os ferozes galos, muito
pior que qualquer cachorro.
Outro grande colega (e era grande
mesmo) foi o russo-chinês de nome Dimitri Mamonkin. Possuía uma força
descomunal: levantava um motor de carro facilmente. Ninguém procurava
brigar com ele, ninguém era bobo para tal. Outro de que me lembro era o
André, filho do sr. José, dono do bar na esquina da Rua Major Diogo e
Conselheiro Carrão. A gente comia petiscos, e de graça. O André que
patrocinava.
Os domingos eram sempre esperados. Íamos nos
cinemas, ora Espéria, ou o Cine Rex, assistir os seriados imperdíveis
como o zorro, Tom mix, Tarzan e outros. Isto durante à tarde. Pela manhã
acompanhava meu pai até a cantina mais famosa do bairro, a do Capuano. O
vinho era italiano em toneis, a sardela com pão italiano, as azeitonas
gregas enormes. Que delícia. Que tempos. Voltávamos e na grande mesa a
família toda junta saboreava a famosa macarronada com brachola e o
frango com batatas assado no forno.
Este é o velho bairro do
Bixiga, que tinha os melhores pães da região. Quem não conheceu a
padaria Basilicata, a Padaria do Paladino, a padaria São Domingos. E a
famosa feira da Rua Maria José, que todas as sextas-feiras eu
acompanhava meus pais nas compras e ajudava a carregar as cestas. Nunca
faltava o velho café Tiradentes.
Todas as tardes (religiosamente)
aguardávamos o querido amigo jornaleiro Mário, que vinha gritando pela
rua: “olha a Gazeta, olha o Diário, olha a Gazeta Esportiva”. Não é que
de tanto passar pela Rua Major Diogo, olhou, namorou e casou com a filha
da dona de uma pequena venda (não me lembro o seu nome)? Que festança
foi realizada!
Existia ainda, e não faltava nunca, o vendedor de pasteis, os mais gostosos que comi, um senhor de cor negra e muito gentil.
Na
mesma Rua Major Diogo, esquina com a Rua Humaitá, num porão, foram
feitos os melhores pirulitos por um senhor italiano (não recordo seu
nome), onde a criançada fazia fila para comprar os estupendos pirulitos.
Outros
vendedores, como os de cogumelos enormes, e o vendedor de queijo que
dava nomes a eles como, por exemplo: "queijo Pina Fachioni". A Pina era
uma artista italiana da época.
Lembro do Teleco, que fundou a
escola Vai Vai. Sua mãe está viva e mora no mesmo endereço, na Rua Major
Diogo. Ela deve ter mais de cem anos. Não lembro seu nome, só sei que
ela era muito brincalhona.
Já mais na juventude, aos sábados à
noite, os amigos íamos à Pizzaria do Giordano, onde tinha as melhores
pizzas de São Paulo. Esta pizzaria ficava na Avenida Brigadeiro Luiz
Antonio, do lado do não mais famoso cine Paramount, com seus famosos
camarotes. Era muito chique.
E a famosa Igreja Nossa Senhora de
Achiropita. Lá fiz minha primeira comunhão. Recordo-me do padre Dom
Orione, um eterno filador de cigarros.
Quantas lembranças
esquecidas ficaram para trás. O tempo não passa, voa. Já se passaram
muitos anos dos acontecimentos narrados e recordados. Cada personagem
seguiu seu caminho. Alguns moram ainda no bairro, penso eu. Outros
seguiram estradas diferentes, lugares diferentes.
As crianças, os jovens, os lugares, ainda estão lá no Bexiga daquela bela época. Senão, pelo menos estão na memória.
Saí
do meu Bexiga pelos idos de 1971 e casei com a dona Judite. Hoje
moramos no Parque Continental, no bairro do Jaguaré, antes bairro do
Butantã".
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