sexta-feira, 2 de abril de 2010

Oriundi: Italianidade no samba de Adoniran Brabosa

"O Piove, piove.
Fá tempo que piove quá Gigi.
E io, sempre io Sotto la tua finestra
E voi senza me sentire
Ridere, ridere
Di questo infelice qui Ti ricorda Gioconda
De quella sera in Guarujá Quando il mare Ti portava via
E me chiamaste: “Aiuto, Marcello. La tua Gioconda à paura di quest’onda".


Essa  é a letra do Samba Italiani, composição de Adoniran Barbosa. A italianidade dos versos são  assim analisada por Emerson Tin, no texto O imigrante e o português brasileiro.

"Percebe-se no texto que, apesar de estar escrito muito mais em italiano que em português-brasileiro, o espaço retratado já não é na Itália, mas no Brasil. O texto remete, inclusive, a um momento passado que tivera lugar numa praia brasileira. Embora em italiano a letra já traga o espírito brasileiro, o que já é um indício, ainda que tênue, de um início de transição de culturas, de um início de integração. O Início da Integração Um terceiro momento seria aquele em que o imigrante italiano, ou os seus descendentes, passam a se integrar à cultura brasileira, mas sem apagar a suas origens. Isso é o que vemos retratado, de certa forma, nas letras de Adoniran Barbosa, nas quais temos um português italiano, em que a língua já é o português-brasileiro, mas ainda vemos alguns leves traços do imigrante italiano, principalmente no que diz respeito aos “erros”, ou traços de baixo nível de escolarização.

Aliás, não deixaria de ser relevante o fato de Adoniran Barbosa – na verdade seu nome era João Rubinato – ser descendente de imigrantes italianos: “João Rubinato pertence às primeiras gerações de valinhenses, filhos de imigrantes italianos que desembarcaram na cidade no final do século passado. Mas sua história se confunde com a dos italianos que residiam no Bixiga, em São Paulo” (Silvana Guaiume, 1997). Essa origem acaba por se refletir no discurso de Adoniran: “A linguagem acaipirada das composições é reflexo da origem interiorana de Adoniran, misturada com vícios do vocabulário italiano” (Silvana Guaiume, 1997). São célebres as letras de “Tiro ao Álvaro”, do “Samba do Arnesto” ou ainda de “Iracema”, em que Adoniran Barbosa retrata com muita felicidade a fala dos moradores dos bairros de São Paulo com maior concentração de população de ascendência italiana. Vejamos um exemplo:

SAMBA DO ARNESTO

O Arnesto nos convido Prum samba Ele mora no Braz
Nóis fumos Num incontremos ninguém.
Nóis vortemos cuma baita Duma réiva Da outra veiz Nóis num vai mais! (Nóis num semo tatu)
Notro dia Encontremos co’o Arnesto Que pediu descurpas
Mais nóis num aceitemos.
Isso num se faiz, Arnesto,
Mais você divia Ter ponhado um recado Na porta, ansim:
Óia turma, num deu Pra esperá. Aduvido que isso num Faz mar, E num tem importança.
Da outra vez Nóis te carça a cara.

 Percebemos no texto acima alguns indícios do que seria o retrato caricato da fala de uma faixa da população paulistana: os descendentes de imigrantes italianos moradores em alguns bairros, como o Bixiga e o Belenzinho. Isso se nota nos “erros” de português: a/e em verbos de 1ª conjugação (encontremos, vortemos, aceitemos); l/r (vortemos, descurpas); ditongação de monossílabos (nóis, veiz, mais, faiz). Poderíamos continuar apontando uma serie desses indícios da fala de um grupo social popular formando, no caso, de imigrantes e descendentes de imigrantes italianos, como o próprio Adoniran Barbosa.

É interessante notar-se que, diferentemente de Juó Bananére – cujo nome é Alexandre Marcondes Machado –, o que se tem agora é o olhar do próprio imigrante sobre si mesmo. Se em Bananére temos a visão de um brasileiro escrevendo como se imigrante italiano fosse, em Adoniran Barbosa temos a “legitimação” da fala do imigrante, através dele próprio. Agora não é mais o outro que o vê e o retrata, parodiando-o; ele mesmo se vê e se retrata. Em lugar de posar como modelo, pinta seu auto-retrato, com ironia”.

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