O êxodo de trentinos rumo
ao Brasil tem ligação direta com a ação de padres italianos, conforme mostra o
trabalho ““Igreja e italianidade: Rio Grande do Sul (1875-1945)”, produzido por Paulo César Possamai (DH/FFLCH/USP ).
A maioria dos imigrantes italianos que se instalou no Rio Grande do Sul, a partir de 1875, provinha das regiões italianas do Vêneto, Lombardia e Friuli e ainda do Trentino onde, pelo fato de pertencer aos domínios da Casa de Habsburgo, apesar da maioria da população ser étnica e culturalmente italiana, o movimento emigratório assumiu características próprias com relação à emigração italiana propriamente dita.
Do século XI até 1805, quando foi cedido à Baviera por Napoleão, Trento foi uma cidade-livre do Sacro Império Romano-Germânico, governada por príncipes-bispos. A maioria da população trentina era composta de camponeses (cerca de 90% da população total), cujo caráter pragmático se preocupava mais com a cobrança das taxas e impostos e com o número de soldados requisitados pelo governo do que com a nacionalidade dos governantes.
Por isso uma das raras rebeliões ocorridas no Trentino aconteceu em 1809, quando o governo bávaro tentou impor a conscrição obrigatória à toda a população masculina da região. A revolta logo recebeu o apoio da Áustria, que ambicionava anexar a província rebelde. A situação foi controlada por Napoleão, que, através do Tratado de Paris, de 1810, transferiu o domínio político do Trentino, da Baviera para o reino napoleônico da Itália.
Com a derrota de Napoleão, a Áustria ocupou a região em 07 de abril de 1815, data marcada pela visita do imperador Francisco I a Trento. Em 1816, o principado de Trento foi anexado à província austríaca do Tirol, passando desde então a chamar-se oficialmente "Tirol Meridional", numa clara tentativa de assimilação, já que o Tirol é uma região caracteristicamente germânica. Naturalmente, essa atitude do governo austríaco provocou descontentamento na população que, em 1848, enviou a Viena um abaixoassinado pedindo autonomia administrativa para o Trentino.
O governo austríaco não só ignorou o pedido como, em 1854, proibiu o uso do nome "Trentino" que, a partir de então deveria ser substituído por "Tirol Meridional" ou "Tirol Italiano" (GROSSELLI, 1986, p. 22-28).
Contudo, a luta nacionalista pela unificação do Trentino à Itália era uma preocupação marcadamente burguesa e citadina, já que os camponeses não engajaram-se na luta. O conservadorismo e o clericalismo eram as bases da sociedade trentina, majoritariamente camponesa, por isso a ocupação de Roma em 1870 significou a falta de apoio popular à unificação com a Itália, acusada de usurpar os domínios temporais do Papa.
O jornal católico "Voce Cattolica" assim definiu o liberalismo em 16.09.1870: "Il liberalismo, come vedemmo, altro non è in sostanza che la ribellione sistematizzata a Dio Creatore e Redentore nell'ordine naturale e soprannaturale; altro non vuole, che la scristianizzazione dell'individuo, della famiglia e della società, e la distruzione della Chiesa Cattolica" (apud GROSSELLI, 1986, p. 33).
Essa posição anti-liberal do clero e, por sua influência, da maior parte da população do Trentino, marcou os imigrantes trentinos no Brasil, onde faziam questão de diferenciar-se dos "italianos" como "tiroleses", não tanto por nacionalismo austríaco ou fidelidade à Casa d'Áustria mas, sim por não pertencer a um país condenado pela Igreja pelo seu liberalismo anti-clerical. De fato, a Igreja Católica foi para o campesinato trentino, como também para o italiano, o que o Estado nacional foi para a burguesia emergente e o que foram os sindicatos e os partidos políticos para o proletariado urbano. Na Igreja se formavam os quadros dirigentes do campesinato, para o qual o padre não era somente um sacerdote, mas também um líder intelectual.
A moral camponesa era a moral católica e a verdadeira autoridade reconhecida por essa grande parcela da população era o clero (GROSSELLI, 1986, p. 142).
A emigração em massa não se explica, pois, somente pela fuga à pobreza e, por vezes, à miséria em que viviam os camponeses italianos e trentinos. Sob a liderança do clero, os emigrantes buscavam reconstruir na América uma sociedade que passava por profundas transformações na Europa em conseqüência do avanço das idéias liberais e socialistas, da urbanização crescente, da industrialização e do militarismo (GROSSELLI, 1986, p. 145-154). A fim de fugir da nova ordem, uma parte do clero acalentou o ideal de reconstruir no Novo Mundo uma sociedade camponesa e clerical. Um sacerdote da província italiana de Treviso chegou a afirmar "que estando a religião em decadência na Itália, justificava-se emigrar para a América a fim de aí estabelecer-se uma colônia piedosa" (DORE, apud AZEVEDO, 1975, p. 63).
A emigração em busca de trabalho em países vizinhos já era tradicional entre os habitantes do norte da Itália e do Trentino, porém, com a chegada dos agentes de imigração às aldeias italianas retratando os países americanos como um verdadeiro Éden, surgiu uma verdadeira "febre americana" entre os camponeses italianos. A emigração desse período não foi um fenômeno individual, mas de grupo, e, se esse verdadeiro êxodo se desenvolveu num clima relativamente pacífico, isso foi devido à influência do clero, que procurou evitar o surgimento de tensões entre as classes sociais no momento da partida, que, por vezes se assemelhava a uma grande procissão, quando os emigrantes seguiam o caminho para o porto de embarque acompanhados pelo som dos sinos, precedidos por um cruz ou o estandarte de um santo (VILLA, 1986, p. 75-76).
Nesses grupos de emigrantes partia tanta gente que, por vezes, a inteira população de uma aldeia decidia emigrar em conjunto, situação dramática que levou muitos párocos a aderir e mesmo liderar o movimento emigratório. Entre os padres que acompanharam grupos de emigrantes encontramos o padre trentino Bartolomeu Tiecher que, em 1875, partiu rumo ao Brasil na companhia de um grupo de 208 imigrantes italianos e 392 trentinos, entre os quais se encontravam seus pais e irmãos. Chegando ao Rio Grande do Sul, o padre Tiecher foi nomeado pelo governo imperial capelão da Colônia de Santa Maria da Soledade do Farromeco. Em 1886 tornou-se vigário da recém-criada paróquia de Garibaldi (RUBERT, 1977, p. 47-50).
O padre Domenico Munari, pároco de Fastro, diocese de Pádua, ofereceu-se para emigrar junto com seus paroquianos e, em 1876, partiu com um grupo de 275 imigrantes italianos que embarcaram em Bordéus, na França, rumo ao Brasil. Apesar do navio em que viajavam ter naufragado próximo a La Rochelle, ele e seu grupo retomaram a viagem ao Rio Grande do Sul, onde Munari estabeleceu-se como o primeiro pároco de Bento Gonçalves (RUBERT, 1977, p. 51-53)”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário