quarta-feira, 3 de março de 2010

Italianità: A rota dos moinhos em Ilópolis, Rio Grande do Sul (1)

Distante 196 Km de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, a cidade de Ilópolis (cerca de 5 mil habitantes) guarda importante testemunho da imigração italiana em terras gaúchas. Em 1905 iniciou-se a colonização do atual município de Ilópolis, com a chegada de imigrantes. Em 1911, começavam a chegar os primeiros colonizadores italianos, filhos e netos de imigrantes italianos vindos de Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Veranópolis. Vinham atraídos pela grande concentração de pinhais, pois eram madeireiros de ofício. Em março de 1914, recebeu a denomiação de Figueira.

Um ano após, em março de 1915, passou a denominar-se Ilópolis, nome escolhido pelo Dr. Alfredo Mutzel, engenheiro chefe da então Comissão de Terras e Colonização que significa: Ilo - do latim - Erva e Polis - do grego - Cidade, "Cidade da Erva-Mate", em virtude da grande abundância dadivosa espécie florestal no seu território. A principal marca da italianidade de Ilópolis é a rota Caminho dos Moinhos, é uma verdadeira viagem nostálgica ao passado das colônias italianas no sul do país, em meio a uma privilegiada paisagem. Os moinhos do Vale do Taquari na Serra Gaúcha são admiráveis registros da imigração italiana no começo do século passado.

Engenhosas construções de madeira, cheias de poesia, sofisticação técnica, lições de arquitetura: testemunhos do trabalho humano. Para as famílias recém-chegadas, estes moinhos significavam a conquista de uma vida auto-sustentável, com o pão e a massa como base culinária e econômica. Novamente integrados ao dia-a-dia das comunidades, os moinhos ganham novo fôlego e assumem novos papéis. A professora e ambientalista Judith Cortesão, no ano 2000, foi quem primeiro apelou para a urgência da restauração, pesquisa e divulgação dos moinhos coloniais.

De lá para cá, já voltaram a funcionar alguns dos moinhos, como o Moinho Vicenzi, situado ao lado de uma magnífica cachoeira. No coração do Caminho, em Ilópolis, funciona desde Fevereiro de 2008 o conjunto do Museu do Pão, compreendo o Moinho Colognese, a Oficina de Panificação e o museu propriamente dito. O roteiro turístico e cultural dos moinhos leva o visitante a uma região de belíssimas paisagens: suaves vales e montanhas, rios e regatos, cachoeiras e lagos, densas matas de araucária, grutas, arquitetura rural dos imigrantes e um povo acolhedor.

História (93 ) - "Far l'America (53)": Colonização italiana no Vale do Itajaí, em Santa Catatina

O Vale do Itajaí, em Santa Catarina, é outro local, no sul do Brasil, que aparece como pólo receptor de imigrantes italianos, foco do trabalho.A imigração italiana e a vocação religiosa no Vale do Itajaí
de Marilda Checcucci Gonçalves da Silva  (FURB / UNICAMP)

“A região denominada por Vale do Itajaí, na qual foram assentados como colonos os imigrantes italianos que deram origem à população em estudo, é formada pela bacia deste rio. Ela se encontra localizada a nordeste do Estado, situada entre o litoral e o planalto.

Antes de ser colonizada por imigrantes italianos, a região do Vale do Itajaí havia sido inicialmente povoada por grupos indígenas principalmente por tribos Kaingang, além de se registrar a presença de tribos Xokleng e Guarani. Um segundo momento do povoamento se dá com a presença de caboclos ou sertanejos, que ocuparam a terra”.

“Diferente da imigração que acontece em São Paulo, onde a houve a importação de mão-de-obra para substituir o braço escravo, a imigração que se destina ao sul do Brasil tomou a forma de colonização através da formação de núcleos de colonização, baseados na pequena propriedade”. “As razões que orientaram a colonização com agricultores europeus em Santa Catarina foram, em parte, diversas daquelas que orientaram o Brasil em procurar a imigração européia".

"Naturalmente não se tratava de fornecer mão-de-obra para fazendas a fim de substituir os escravos, como também não foi tão imperativa a necessidade de ‘branquear’ a população. A razão era simples, não existia na Província de Santa Catarina o latifúndio. Havia grandes propriedades de terra na zona de Lages mas eram utilizadas para a criação de gado e não necessitavam de muita mão-de-obra”.

“Havia uma razão mais importante para concentrar grandes contingentes migratórios. A colonização ocorreu pela necessidade principalmente de valorização de terras desocupadas, cobertas de florestas, bem acidentadas e de abertura de vias de comunicação que ligassem o litoral ao planalto. (Petrone, 1982:32) Nessas condições, torna-se compreensível que as terras que os imigrantes receberam tenham sido, sem exceção, as mais montanhosas, isoladas e de difícil acesso não sendo, de modo algum, cobiçadas pela grande propriedade”. “Um outro fator que irá concorrer para o estímulo da ocupação do território com a colonização baseada na pequena propriedade camponesa, está na necessidade de defesa das fronteiras do território”.

História (92) - Especial: Influência de socialistas e anarquistas italianos no movimento operário brasileiro (8)

A rica história da participação de anarquistas e socialistas italianos nas lutas do movimento operário brasileiro renderam livros e mais livros editados no Brasil e na Itália, além de inúmeras teses d mestrado e doutorado. Uma busca na internet revela, por exemplo, a obra "Anarquismo, Estado, e pastoral do imigrante das disputas ideológicas pelo imigrante aos limites da ordem: o caso Idalina", livro de autoria de Wlaumir de Souza e editado pela Editora Unesp.

O autor debate a influência da Igreja na determinação do perfil do trabalhador que deveria ser aceito como imigrante. A interferência da Igreja nos rumos da imigração é analisada especialmente com base no caso dos Missionários de São Carlos), ordem criada em 1887 para dar assistência aos italianos que aqui vieram "fazer a América". O livro analisa a passagem da mão-de-obra escrava para a livre, baseada fundamentalmente na imigração italiana, subsidiada pelo Estado como parte de um projeto político-ideológico com a Igreja. O imigrante é representado e instrumentalizado como agente de uma mentalidade conservadora, em detrimento da modernização cultural. No lado oposto a essa estratégia encontram-se os anarquistas em luta contra a superstição, denunciando a corrupção da Igreja. O embate entre essas forças - anarquistas, Estado e Igreja -, na cooptação do imigrante, eclodiria na acusação de estupro e assassinato da menor órfã Idalina pelo maior símbolo católico da pastoral do imigrante, Padre Faustino, no orfanato Católico Cristóvão Colombo, na capital de São Paulo.

"A Editora assim apresenta o livro de Wlaumir de Souza, dando uma idéia da influência dos “Anaquismo, Estado e pastoral do imigrante. Das disputas ideológicas pelo imigrante aos limites da ordem: O Caso Idalina - texto originalmente apresentado como dissertação de mestrado ao Departamento de História da UNESP de Franca (SP), com o título Fazer a América. Da estabilidade do ideal à instabilidade do real - amplia e aprofunda análises anteriores sobre a imigração italiana e o papel desempenhado, nesse processo, pelo Estado, pela Igreja, pela classe dominante e por anarquistas, seja da Itália, seja do Brasil, com destaque para a Congregação dos Missionários de São Carlos Barromeu, fundada por Dom João Batista Scalabrini (1839-1905), Bispo de Piacenza. Os principais agentes desse complexo empreendimento: por exemplo, o fundador da Congregação Carlista, responsável pela pastoral do imigrante, bem como os principais missionários dessa instituição no Brasil: os padres José Marchetti, Marcos Simone e Faustino Consoni, além de Assunta Marchetti, irmã do Padre Marchetti e fundadora da Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Barromeu (scalabriniana) receberam o devido tratamento analítico. Uma parte das publicações anteriores a este livro ressalta, em termos apologéticos, os méritos da vida e obra dessas pessoas.

Outros escritos, sem dúvida, avançaram apresentando uma abordagem mais analítica e objetiva, sem, entretanto, considerar devidamente toda a problemática da imigração e do anarquismo. O trabalho de Wlaumir Doniseti de Souza, sem desmerecer as qualidades dos agentes envolvidos, analisa a obra scalabriniana numa abordagem científica, colocando-a no contexto estrutural e conjuntural do fim do século XIX e inícios do XX.

Foi o processo de modernização da Itália e do Brasil, nos parâmetros do sistema liberal e capitalista, que se apresentou como fator propulsor da industrialização da Itália e das modificações na sua estrutura agrária, forçando muitos italianos a abandonar sua pátria e procurar a sorte nas Américas. O mesmo processo levou os países periféricos do sistema a substituir a mão-de- obra escrava pela livre. A força de trabalho do imigrante se tornou insubstituível e sempre mais necessária, para o caso do Brasil, na lavoura cafeeira de São Paulo.

Nesse contexto coube à Igreja Católica um papel decisivo e complexo. Também a Igreja, analogamente ao sistema econômico e à sociedade civil, passou, na Itália e no Brasil, por um processo de desestruturação, em estreita conexão com as modificações socioeconômicas. Desestruturava-se a Igreja tradicional e clericalista, mas nem por isso teve fim a colaboração entre Igreja, Estado e classes dominantes. Ela apenas se rearranjou. Wlaumir Doniseti apresenta nesta obra uma análise consciente, no que se refere à teoria, e empiricamente fundamentada, na qual os diferentes elementos e forças desse sistema aparecem numa recíproca interação e num ajustamento contínuo, em detrimento de seus opositores, dentre os quais os anarquistas, representados aqui por Edgard Leuenroth". (Augustin Wernet)

História (91) - Especial: Influência de socialistas e anarquistas italianos no movimento operário brasileiro (7)

Uma ótima análise do papel dos anarquistas italianos no movimento operário brasileiro vem de AdonileA. Guimarães autora do trabalho Moral anarquista e a conquista da questão social no Brasil l.

"(...) Os imigrantes europeus em sua maioria, italianos chegaram ao Brasil trazendo um sonho de uma vida melhor e mais justa. O que encontraram aqui, porém, foram as mesmas dificuldades das quais fugiram, a opressão do trabalhador em benefício do patrão. Entretanto, os imigrantes não traziam em sua bagagem apenas sonhos, traziam também experiências de lutas e métodos de ação políticas muito claras para alcançar seus objetivos. Os operários italianos diante das condições adversas que aqui encontraram, construíram um vínculo muito forte entre eles, essa união, embora fosse incentivada pela nacionalidade em comum e, conseqüentemente, facilitada pela língua materna, era construída, mais em função das condições materiais e ideológicas de existência".

"Essas experiências em comum, o convívio com as dificuldades que atingiam, sobretudo, os operários, encontraram nas idéias anarquistas e no método da ação direta um espaço de luta política que conseguia abrigar os anseios dos trabalhadores até então excluídos do cenário político oligárquico. No Brasil haverá núcleos anarquistas, de diversa orientação, a partir de pelo menos 1890, compostos em sua maioria de imigrantes e seus descendentes. Assim, contra os preceitos burgueses que se queria passar à população brasileira como universais foi erigida uma moral anarquista que se opunha a toda e qualquer tipo de conduta liberal".

"Se de um lado os valores nacionalistas, patrióticos, militaristas eram exaltados para a construção da nação brasileira, de outro, o universalismo trabalhista, antimilitarismo e a oposição às manifestações culturais burguesas como ao baile, ao futebol eram duramente criticadas pelos militantes anarquistas. Em prol de uma sociedade mais justa e igualitária os militantes organizavam piqueniques e confraternizações entre os trabalhadores, promovendo atividades culturais, como o teatro comunitário utilizado como órgão conscientizador e informativo de classe que tinha dupla função, o de reunir a classe operária em um ambiente cultural e, ao mesmo tempo, vincular as políticas sociais da classe de uma maneira informal que não fosse maçante e que, tivesse maior alcance entre os trabalhadores de diversas nacionalidades; pois muitos não sabiam ler e, portanto, inviabilizava a propaganda escrita".

"É bom lembrar que nesse momento a maioria da população brasileira era analfabeta, como só era válido o voto dos alfabetizados, o grosso dos brasileiros eram excluídos do processo eleitoral. Daí tem-se a grande adesão à ética anarquista que recusava a via institucional. Tendo em vista esses fatos, faz-se necessário, diferentemente, da historiografia clássica, reconhecer a prática política como uma forma ampla de expressão dos anseios e projetos dos seres humanos".

"Desse modo, a ascensão do anarquismo não se deve apenas ao baixo progresso técnico industrial e a uma incipiente classe operária, é fruto também de uma ação política mais eficaz de seus membros que, vivenciando as mesmas condições adversas, conseguiram construir através da ação direta, uma experiência política que abrangia todos os espaços comuns de coexistência dessa classe. Erigiram-se assim, não só um programa político que ia ao encontro dos anseios da classe trabalhadora, mas também uma moral que se opunha radicalmente, em todos os níveis, seja ele ideológico, econômico e até mesmo religioso à ideologia burguesa".

Italiani – O legado do pintor Aldo Locatelli (2)

Aldo Locatelli é assim definido em verbete da Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais: "Embora se dedique também à pintura de cavalete, Aldo Locatelli pode ser considerado um dos mais profícuos pintores de afrescos - sacros, especialmente -, atuantes no Rio Grande do Sul, no século XX. Em sua curta trajetória (falece aos 47 anos) Locatelli, em seu país de origem, pauta-se na arte Renascentista para os afrescos que realiza. No Brasil, notadamente no projeto da Igreja de São Pelegrino, em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, trabalha com base nesses padrões tanto nos afrescos quanto nas pinturas da Via Sacra: 'Locatelli, sem dúvida é um tradicionalista; são visíveis em sua obra as influências, de ordem iconográfica e técnica, dos grandes mestres do Renascimento (...) Mas o talento do artista é tal que não lhe permite submeter-se a eles (...) sendo (...) capaz de recriá-los, a partir justamente daquilo que neles permaneceu em estado germinal'. (ZATTERA, Véra Stedile. Aldo Locatelli. Porto Alegre: Pallotti, 1995. p. 159).

O artista trabalha nos afrescos da Igreja de São Pelegrino de 1951 a 1960 e nos 14 óleos sobre tela da Via Sacra - executadas em seu ateliê, em Porto Alegre -, entre 1958 e 1960. Locatelli se faz fotografar nas posições de Cristo para compor a obra. Procura expressar a dor de Jesus durante o trajeto do Calvário, sendo o 'elemento determinante da dramaticidade e expressividade da obra (...) sem dúvida alguma, o livro de Pierre Barbet, A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo o Cirurgião, no qual estão descritos os sofrimentos físicos da paixão de Cristo sob o ponto de vista da medicina' (FABRIS, Annateresa. Aldo Locatelli, o Cirineu em São Pelegrino. Insieme: Revista da Apiesp, São Paulo, nº 3, 1992, p. 21)

Italiani – O legado do pintor Aldo Locatelli (1)

Dentre tantos artistas italianos que radicados no Brasil deixaram importantes e significativos trabalhos em praças, igrejas e palácios públicos, o bergamasco Aldo Locatelli tem seu nome gravado na história cultural do rio Grande do Sul.

Aldo Locatelli nasceu em Vila D’Almé, na Itália, no ano de 1915. Realizou seus primeiros estudos em sua cidade natal e depois mudou-se para Roma, para estudar na Escola de Belas Artes. Durante o curso, foi convocado para a Segunda Guerra Mundial. Serviu no Egito e, ferido em combate, afastou-se dos campos de batalha. Retornando à Bérgamo, iniciou sua vida profissional. Criou murais para a Igreja de Santa Cruz e partiu para Gênova e Nápoles, dedicando-se sempre à pintura religiosa.

Em 1948, desembarcou no Brasil, a convite do bispo da cidade de Pelotas Dom Antonio Zattera, para restaurar a Catedral de São Francisco de Paula. Veio com a promessa de retornar à Itália assim que terminasse seu trabalho. Um mês depois de sua chegada ao Rio Grande do Sul, recebeu Emílio Sessa, seu colega na Academia Carrare em Bérgamo, com quem dividiu vários projetos. Nos dois anos em que trabalhou no restauro da Catedral de São Francisco, em seus raros momentos de folga, ministrou aulas gratuitas de pintura para pessoas interessadas em arte. A repercussão do curso fez com que incentivasse a criação de uma Escola de Belas Artes em Pelotas. Foi, ao lado de Antonio Caringi, um dos primeiros professores da Escola.

Em 1950, Locatelli decidiu permanecer no Brasil, mandou buscar a esposa, D. Mercedes, mudou-se para Porto Alegre e começou a dar aulas no Instituto de Belas Artes da UFRGS. Nesta época pintou o interior de igrejas, o mural intitulado “Conquistando Espaço” no antigo prédio do Aeroporto Salgado Filho, em parceria com Sessa e Atílio Pisoni e, inspirado na obra de Simões Lopes Neto, criou o painel Negrinho do Pastoreio no grande salão central do Palácio Piratini . 

A decoração pictórica do Salão de Atos do Palácio também é de sua autoria, nela seus pincéis recriaram o processo de povoamento e colonização do Rio Grande do Sul. Em Caxias do Sul, pintou o interior da Igreja São Pelegrino e, ao final do trabalho, reconheceu o painel intitulado Via Sacra como sua maior criação. Locatelli escrevia a tese para prestar concurso para o cargo de professor da cadeira de Composição Decorativa no Instituto de Belas Artes da UFRGS, quando adoeceu. Faleceu poucas semanas antes de defender seu trabalho, vítima de câncer no pulmão, aos 47 anos.