segunda-feira, 22 de março de 2010

Italiani - Lina Bo e Pietro Maria Bardi: a idealização do Masp na Avenida Paulista

O edifício que abriga o Museu de Arte de São Paulo  (Masp) foi concebido pela arquiteta Lina Bo Bardi autora de um audacioso projeto arquitetônico marcado pelo enorme vão livre de 74 metros. Quem lembra a história desse projeto é Alexander Gaiotto Miyoshi, autor do trabalho Historiografias do Masp Ele cita depoimento do diretor do Masp e marido de Lina Bo Bardi, Pietro Maria Bardi.

O terreno era da Prefeitura de São Paulo e seu doador, Joaquim Eugênio de Lima, impusera uma exigência: qualquer construção ali realizada deveria manter a vista que se descortinava do centro da cidade. Ficamos sabendo que Cicillo pretendia construir ali a sede do MAM de São Paulo, encomendando o projeto ao arquiteto carioca Affonso Eduardo Reidy, sem considerar porém, a necessidade de manutenção do belvedere, o que causou a recusa de sua proposta, que ocupava todo o espaço.O local era ideal para o MASP. Sabendo da situação do terreno e das condições impostas pelo doador, Lina conversou com Edmundo [Monteiro, diretor dos Diários Associados], informando-lhe os detalhes. Ela realizou um projeto que mantinha a vista exigida para o centro da cidade [...].Edmundo resolveu falar com o prefeito Adhemar de Barros e chegaram a um acordo. Adhemar era candidato à reeleição na prefeitura e combinaram de fazer sua campanha pelos Diários Associados de graça, desde que ele, caso fosse eleito, aprovasse a concessão do terreno para a construção do MASP”.

Alexander Miyoshi lembra que “ainda hoje costuma-se citar a exigência do vão livre como a origem primordial do projeto arquitetônico, lembrando-se apenas eventualmente que o MAM também pleiteou o mesmo terreno à sua sede".

"No entanto, a declaração sobre a troca de favores entre os Diários Associados e o prefeito Adhemar de Barros ajuda a esclarecer sua razão: podemos supor que, na verdade, pouco importava ao prefeito se o belvedere seria mantido livre de colunas ou não. O apoio prometido pelos Diários Associados era o que de fato lhe interessava6, e a cessão do terreno ao MASP certamente não seria impedida por uma cláusula como aquela, mesmo que o projeto não mantivesse o belvedere livre de colunas. O projeto de Lina Bo caiu como uma luva, afastando as tentativas de protesto do MAM, que não teria cumprido a exigência do doador. Hoje, não sabemos até que ponto tal exigência foi determinante ao projeto; mas se recordarmos que, naqueles tempos, a arquitetura e a engenharia no Brasil buscavam destacar-se por obras audaciosas (como é o caso de Brasília), torna-se plausível acreditarmos que a maior justificativa é a própria vontade em se fazer um edifício extraordinário do ponto-de-vista técnico e estrutural, e expressivo sobretudo por esta razão”.

História (126 ) - Fascismo e Legislação Trabalhista no Brasil (4)

Ao comparar a Carta Del Lavoro instituída na Itália durante o governo fascista de Beneito Mussolini, com a legislação trabalhista brasileira na ditadura de Getúlio Vargas, o advogado Cássio Mesquista Barros  lembra que: "A Declaração IV da Carta del Lavoro estabelece: ' No contrato coletivo de trabalho tem a sua expressão concreta a solidariedade entre os vários fatores da produção, mediante a conciliação dos interesses opostos dos empregadores e trabalhadores e a sua subordinação aos superiores interesses da produção.'

No Brasil, o contrato coletivo de trabalho veio a denominar-se convenção coletiva de trabalho. Prevista pelo art. 7º do Decreto nº 19.770, de 19 de março de 1931, sobre sindicalização, foi regulada, pela primeira vez, pelo Decreto nº 21.761, de 23 de agosto de 1932, que atribuía à convenção coletiva eficácia restrita aos associados do sindicato, reservando-se ao Ministério do Trabalho a prerrogativa de estender seus efeitos aos não associados. Foi posteriormente contemplada na Constituição de 1934, na Carta de 1937, na CLT e nos textos constitucionais posteriores.

A convenção coletiva de trabalho está prevista no art. 7º, XXVI, da Constituição de 1988 em vigor e no art. 611 e ss. da CLT. Manter a paz social era função básica do Estado fascista. Para evitar que os conflitos entre empregados e empregadores desembocassem em formas de autodefesa como a greve e o lock-out, o que, segundo concepção da doutrina fascista, prejudica a produção, perturba a ordem pública e infringe o dever social do trabalho, o Estado, síntese superior dos interesses individuais, resolveu atrair a solução dos conflitos individuais e coletivos para um órgão também estatal, dando-lhe uma função normativa além da função judicante: a Magistratura del Lavoro. 'A Magistratura del Lavoro substitui a greve e o lock-out (serrata), que são proibidos”, assegura Barassi. Dispõe a Declaração V da Carta del Lavoro: 'A Justiça do Trabalho é o órgão por meio do qual o Estado intervém para solucionar as controvérsias do trabalho, seja as que concernem ao cumprimento das convenções e outras normas existentes, seja as destinadas à criação de novas condições de trabalho.' Inicialmente contemplada na Constituição Brasileira de 1934, nos mesmos moldes da Magistratura do Trabalho italiana, a Justiça do Trabalho encontrou ambiente propício no Estado Novo. Foi efetivamente instituída no Brasil pela Carta outorgada de 1937 que, no seu art. 139, 1ª alínea, incluiu a Justiça do Trabalho no capítulo concernente à ordem econômica como órgão do Poder Executivo e um setor do Ministério do Trabalho. Dispôs, ainda, que a ela não se aplicaria nenhuma das regras da Justiça Comum, inclusive no tocante à estabilidade dos juízes.

A Justiça do trabalho foi regulamentada pelo Decreto-lei nº 1.237, de maio de 1939, posteriormente incorporado à CLT. Na Exposição de Motivos da Comissão Elaboradora do Projeto de Organização da Justiça do Trabalho, Oliveira Vianna assim justifica a forma de composição paritária dos órgãos da Justiça do Trabalho, por ele denominados de “corporações jurisdicionais do trabalho” e criados nos moldes da Magistratura del Lavoro: os representantes classistas, com a experiência do dia-a-dia que trazem da classe empresarial ou dos trabalhadores seriam os julgadores, decidindo 'pela técnica dos standards e do direito intuitivo e não pela técnica da norma legal'; a escolha do juiz togado, além do arcabouço de conhecimento jurídico, serviria para incutir maior respeitabilidade junto aos trabalhadores e empregadores; entretanto, os juízes togados não seriam juízes em seu sentido técnico, mas julgadores ou árbitros. A representação classista nos órgãos da Justiça do Trabalho somente foi extinta no Brasil com a Emenda Constitucional nº 24, de 9 de dezembro de 1999.

Outra característica herdada da Magistratura del Lavoro diz respeito ao poder normativo da Justiça do Trabalho. As relações coletivas expressavam a luta de classes. Por isso, o poder normativo criado pela reforma corporativa italiana, correspondia aos anseios da doutrina fascista que, abominando a luta de classes, entendia que não era de competência dos atores sociais resolver seus próprios conflitos de caráter econômico. A solução somente poderia ser decidida a contento por um órgão superior e imune a controvérsias: o Estado. Contemplado pela primeira vez na Constituição Brasileira de 1934, o poder normativo da Justiça do Trabalho foi também adotado pela Carta de 1937 e regulamentado pelo mesmo Decreto-lei 1.237, de maio de 1939. Adequado à Carta outorgada de 1937 e ao regime implantado por Getúlio Vargas, na medida em que a Justiça do Trabalho era um órgão do Poder Executivo e um setor do Ministério do Trabalho, o poder normativo era também imprescindível ao controle das relações coletivas de trabalho pelo Estado".

História (125 ) - Fascismo e Legislação Trabalhista no Brasil (3)

O advogado Cássio Mesquista Barros  é autor de um texto que compara as legislações trabalhistas do Brasil e e da Itália durante os regimes de Getúlio Vargas e Benito Mussolini.

"A Carta Constitucional de 1937, nos moldes da Carta del Lavoro, também garantia a liberdade de associação: 'Art. 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: ............................................................ 9. a liberdade de associação, desde que os seus fins não sejam contrários à lei penal e aos bons costumes; 10. todos têm direito de reunir-se pacificamente e sem armas. As reuniões a céu aberto podem ser submetidas à formalidade de declaração, podendo ser interditas em caso de perigo imediato para a segurança pública'. No entanto, a Carta de 1937 também dispunha: “Art. 16. Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias: ................................................ XX. (...) direito de associação, de reunião (...)'

A Declaração III da Carta del Lavoro está, praticamente, quase que transcrita no art. 138 da Carta de 1937: '“Art. 138. A associação profissional ou sindical é livre. Somente, porém, o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dos que participarem da categoria de produção para a qual foi constituído, e de defender-lhes os direitos perante o Estado e as outras associações profissionais, estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os seus associados, impor-lhes contribuições e exercer em relação a eles funções delegadas de poder público'

A prerrogativa dos sindicatos de impor contribuições também vem expressa na mesma Declaração III da Carta del Lavoro. O art. 5º, 2ª alínea, da Lei italiana nº 563, de 3 de abril de 1926, criou o imposto sindical. Com o fim do regime corporativo na Itália, esse imposto foi extinto. No Brasil, o imposto sindical, criado pelo Decreto-lei nº 2.377, de 8 de julho de 1940, foi disciplinado pela CLT e, contraditoriamente, continuou a integrar as Constituições de 1946, de 1967 e de 1969. O imposto sindical, atualmente denominado contribuição sindical, foi mantido pelo art. 8º, IV, da Constituição de 1988.

A Carta del Lavoro, ao prever o regime corporativo, a colaboração entre os fatores de produção, o controle pelo Estado da atividade econômica, a vinculação da vida sindical à ordem econômica, o sindicato único baseado em categorias profissionais e econômicas, a criação por lei do imposto sindical, pretendia impor um Estado regulador, intermediador e fiscalizador. Nesse sentido Mariano Pierro ao afirmar: 'com a ordenação das categorias nas várias associações efetiva-se a organização sindical e forma-se a rede de entidades públicas (sindicatos) nas quais todas as categorias profissionais e econômicas encontram adequada colocação e passam a operar organicamente a serviço dos fins superiores da produção nacional.' A Carta Constitucional de 1937 seguiu os mesmos moldes da Carta del Lavoro ao dispor: 'art. 140. A economia de produção será organizada em corporações e estas, como entidades representativas das forças do trabalho nacional, colocadas sob a existência e proteção do Estado, são órgãos e exercem funções delegadas de poder público.'"