domingo, 30 de maio de 2010

História ( 209) - "Far l'America (120)" - Imigração no Rio Grande do Sul nas memórias de Andrea Pozzobon (2)

Maria Catarina Chitolina Zanini, professora da Universidade Federal de Santa Maria, no trabalho "Um olhar antropológico sobre fatos e memórias da imigração italiana"   analisa trechos das memórias o imigrante vêneto Andrea Pozzobon.

“Pozzobon relata que ao saírem de Santos, após sua chegada ao Brasil em 1885, puderam dar adeus àquela tão antipática cidade, na qual a "negrada" os chamava de carcamanos, gringos, ladrões etc., situação que os recém-chegados achavam humilhante. Esses elementos devem ser considerados num contexto em que os imigrantes eram observados como agentes de transformação e de competitividade em nível nacional. Aliás, o termo 'negro' era usado pelos imigrantes italianos como forma genérica para determinar os brasileiros. Não residia aí classificação biológica somente; ela era prioritariamente cultural.

A brasilidade será incorporada em termos identitários, aos poucos e de forma diversa, conforme os contextos históricos exigirem. Há de se observar que, ao saírem aqueles migrantes da Itália, esta havia se unificado há pouco e, de fato, não possuía enquanto nação um sentimento comum de pertencimento. Lorenzoni narra que, no vapor em que veio para o Brasil em 1877, o que se ouvia era uma mistura de vários dialetos, muitos dos quais ele nada compreendia. Enfim, eram pessoas culturalmente diversas que, na situação de partida, tornaram-se genericamente italianos. Na Itália havia rivalidades entre as localidades, e a aparente noção de homogeneização cultural se daria no Brasil, quando de emigrados italianos passariam a imigrantes italianos e, depois, a colonos proprietários.

Pozzobon narra que, ao chegarem a Porto Alegre em dezembro de 1885, surpreenderam-se com a fartura da terra brasileira: carne bovina, suína, ovina, aves, peixes, verduras e frutas. O ‘nonno’ Pozzobon, de 77 anos de idade, teria comentado: ‘Esperava encontrar aqui, ao chegar, o leão baio, tigres e macacos. Agora como uma bela melancia’ Enfim, a terra brasileira era a terra da fartura a ser por eles colonizada e cultivada. A brasilianidade foi, de certa forma, construída atrelada à noção da terra como propriedade, da comida e da manutenção da ordem familiar. A comida, aliás, desempenhará um papel adscritivo fundamental na condição de colono italiano".

História ( 208) - "Far l'America (119)" - Imigração no Rio Grande do Sul nas memórias de Andrea Pozzobon (1)

No trabalho "Um olhar antropológico sobre fatos e memórias da imigração italiana", Maria Catarina Chitolina Zanini, professora da Universidade Federal de Santa Maria,analisa de que forma os imigrantes italianos que se dirigiram para a região central do estado do Rio Grande do Sul em finais do século XIX conduziram a colonização local e quais as categorias sociais presentes nesse processo. A pesquisadora usou como fonte as memórias escritas por dois imigrantes: Julio Lorenzoni (publicadas em 1975) e Andrea Pozzobon (publicadas em 1997), bem como o Álbum do Primeiro cinquentenário da imigração italiana no estado, escrito em italiano e impresso em 1925.

“(O vêneto) Andrea Pozzobon (1863–19–),aqui chegado em 1885 (Rio Grande do Sul), já com 22 de idade e recém-casado. As memórias de Pozzobon (originalmente escritas em italiano) foram publicadas  (traduzidas) em 1997 por seu neto Zolá Franco Pozzobon e receberam o título de Uma odisséia na América. Abarcam o período de vida do migrante que vai de 1884 a 1928.

(..) As memórias são entrecortadas por temas, intitulados Soldado do rei; Adeus às armas; Coração aflito; Com Francesca, no altar; Arriverdérci; A travessia; Siamo arrivati, entre outros. As datas vão de 1884 a 1928, no livro publicado. Sua família era proprietária de poucos bens, o que teria sido "torrado", segundo ele, por preços irrisórios) quando de sua partida da Itália. (...)Pozzobon relata que, ao embarcarem, ‘quantas mulheres com os cabelos desgrenhados increpam os maridos que quiseram dar aquele triste passo".

Contudo, acrescenta ele, "a culpa disso é de terem ouvido falar que na América se trabalha pouco e se vestem roupas de seda’ , ou seja, a América assegurava a possibilidade de reverter a condição social na qual viviam: a de seres despossuídos e sem oportunidades, numa Itália em que comiam mal, vestiam-se mal e não possuíam prestígio algum.

(...) Todavia, a partida para a América, para alguns, era também uma passagem ritual para uma nova condição social, na qual a família como um todo teria que lutar pela sobrevivência. Para aqueles que seguiram com a parentela extensa, o desconforto talvez tenha sido menor. Para Pozzobon, a emigração foi um processo complexo em relação a diversos pontos de vista: tratava-se de uma decisão paterna à qual teve que obedecer e, no decurso da travessia, ele mudaria também seu estado civil, de solteiro para casado. Diz ele que a ‘idéia de constituir família em terra estrangeira, completamente desconhecida até em meus livros escolares, num país onde nada e ninguém me falava ao coração’ (1997:38) causava-lhe terror. E, assim, nesse quadro conflituoso, muitos migraram; como ele, sob a autoridade da decisão paterna ou familiar”.