sábado, 8 de maio de 2010

Oriundi - As obras de Camargo Guarnieri

"Camargo Guarnieri compôs três obras para violino e orquestra: o concerto de 1940, o choro de 1951 e outro concerto, em 1953. Lutero Rodrigues observou que o choro foi composto 'imediatamente após a Carta aberta [de 1950], no momento mais combativo da vida do compositor em prol do nacionalismo musical.' Em programas de concerto, o compositor declara que preferiu 'choro' [em vez de concerto] porque a mensagem, ou melhor, a linguagem musical é nacional, própria do autor e com raízes na terra." Uma interpretação literal dessa citação poderia levar à conclusão de que o concerto seguinte, e o anterior, não teriam essas características, mas Lutero Rodrigues assinala que essa mudança de designação não corresponde a nenhuma alteração de linguagem musical, e conclui: 'Como não há diferença formal significativa entre choro e concerto, pode-se afirmar que a escolha deste ou daquele termo foi ditada mais por critérios pessoais do que estéticos'

Em fins de 1939, o compositor voltou da Europa, por causa da iminência da segunda guerra mundial. Seu retorno a São Paulo foi particularmente difícil, sem nenhum posto oficial e sem o apoio de Mário de Andrade, morando no Rio de Janeiro desde 1938. É nesse contexto que surge o primeiro concerto para violino e orquestra, dedicado à violinista Eunice De Conte e por ela tê-lo estreado na então capital federal com a Orquestra Sinfônica Brasileira, dirigida pelo compositor, a 20 de setembro de 1942. Pouco depois da estréia, a obra recebeu o primeiro prêmio em concurso de composição 'estinado a compositores latino-americanos e promovido pela divisão de música da Pan American Union', quando as obras concorrentes foram julgadas por Serguei Koussevitski e Howard Hanson. Em 29 de outubro de 1942, o compositor embarcou para os EUA, onde recebeu o prêmio de US 750 em cerimônia realizada em Washington.

O Choro para violino e orquestra (1951) choro foi dedicado à violinista Mariuccia Iacovino, que o estreou em Paris, em 1952 com a Orchestre Nationale de la Radiodiffusion Française, dirigida por Eugène Bigot. Como no concerto anterior, "seus três movimentos são interligados [...]. O primeiro movimento, 'Andante', é construído com um único tema exposto pela orquestra". "Também monotemático, o segundo movimento, 'Calmo', é belo e nostálgico." Seu tema é "uma longa melodia de caráter nordestino". No último movimento, "os instrumentos de percussão, presentes desde o primeiro compasso, anunciam uma música de caráter muito diferente do que se ouviu antes, em que o ritmo tem o papel principal.

"O Concerto nº 2 é a mais controversa das três obras [...]. Faltam informações sobre vários fatos importantes que cercaram sua criação.' A primeira página de sua redução para violino e piano traz dedicatória a Henryk Szeryng, mas sua estréia só ocorreu em março de 1956, em São Paulo, com solo de Anselmo Zlatopolsky e a Orquestra Sinfônica Municipal dirigida pelo compositor. Ele foi executado em Berlim, provavelmente em 1972, com solo de Götz Bernau e a Orquestra Sinfônica de Berlim dirigida pelo maestro português Álvaro Cassuto". (Fonte: Centro Cultural São Paulo)

Oriundi: O talento do maestro Camargo Guarnieri

A história da música erudita no Brasil tem nomes de primeira linha com sangue italiano nas veias. Um deles é Camargo Guarnieri (1907-1993), cujo perfil é assim traçado no site da Orquestra de Câmara Paulista
 
"Mozart Camargo Guarnieri nasceu no dia 1º de fevereiro de 1907 em Tietê, a 100 km da cidade de São Paulo. Seu avô italiano emigrou para o Brasil, chegando em Santos em 1895. Por um erro do funcionário de imigração, o sobrenome da família ganhou a letra "i", eliminando a ligação com os Guarneri, famosos fabricantes de violinos da Itália.

O pai de Guarnieri, Miguel, tinha 11 anos quando a família desembarcou no País. Após algum tempo na capital, mudaram-se para Tietê, onde Miguel passou a trabalhar como barbeiro e se casou com Géssia de Arruda Camargo Penteado, filha de uma família rica. O pai de Guarnieri gostava de ópera. Era bom músico e tocava, por exemplo, piano, flauta e contrabaixo. Com Géssia, teve dez filhos, sendo que os quatro homens ganharam nomes de compositores (Mozart, Rossine, Belline e Verdi). Guarnieri era o mais velho. Quando descobriu a origem do nome, deixou de usar o Mozart e passou a assinar apenas com a inicial M para "não ofender o mestre", como dizia. Seu pai logo o iniciou na música.

Depois de uma experiência frustrada com um clarinetista como professor, sua mãe começou a lhe dar aulas de piano ainda menino. Depois foi estudar em um clube vizinho à casa da família. Em 1920, com apenas 13 anos, escreveu sua primeira peça, a valsa "Sonho de Artista", que obteve elogios e fez seu pai redobrar os esforços, levando a família para a cidade de São Paulo em 1922, onde Guarnieri poderia estudar com melhores professores. Começou a ter aulas de flauta e violino com o pai e, de piano, com Ernani Braga, músico que tocou na Semana de 22, assim como Villa-Lobos.

Para ajudar no sustento da família, trabalhou em uma loja de partituras. Depois passou a tocar em um cine teatro, em companhia do pai, e em cabarés. Estudou também com Antônio Sá Pereira, figura importante na vida musical brasileira nesse período. Em 1926, Guarnieri leu nos jornais que o excelente e inovador regente italiano Lamberto Baldi estava de mudança para São Paulo. Mesmo sem falar italiano, levou o pai como intérprete e mostrou a Baldi seu trabalho. O maestro lhe deu aulas até 1930. Guarnieri o considerava um de seus principais mestres, assim como o escritor Mário de Andrade, que conheceu em 1928 por intermédio do pianista Antônio Munhoz, amigo do seu professor Antônio Sá Pereira. Nessa época, sob a orientação de Baldi, Guarnieri já havia escrito "Dança Brasileira".

Dedicada a Munhoz, é uma de suas importantes obras e foi gravada várias vezes no Exterior como Dansa ou Danza Brasileira, por intérpretes como o violonista Yo-Yo Ma, recentemente, e, em 1963, pela Filarmônica de Nova York, sob regência de Leonard Bernstein. Ao conhecê-lo, Mário de Andrade ficou atônito com o esmero e a brasilidade das composições do jovem músico de 21 anos. Procurou Baldi para fazer um pacto. O regente italiano se encarregaria da formação técnica, enquanto ele daria ensinamentos gerais a Guarnieri, que, até então, tinha apenas dois anos de escola primária. É nesse ano também que Guarnieri começou a dar aulas no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Em 1931, Baldi se mudou para o Uruguai e Guarnieri assumiu sua classe no Conservatório. Em 1935, Mário de Andrade convence o prefeito da capital a criar um coral e uma orquestra, o Coral Paulistano, sob a direção de Guarnieri.

No dia 27 de maio, ele se apresentou pela primeira vez em um concerto público como compositor. Sua obra teve grande repercussão na imprensa. No ano seguinte, o famoso pianista francês Alfred Cortot, em turnê pela América do Sul, ouviu do regente Lamberto Baldi, em Montevidéu, que, ao chegar em São Paulo, deveria procurar Guarnieri. Impressionado ao conhecer sua música, Cortot escreveu uma carta ao governador de São Paulo, recomendando uma bolsa de estudos na Europa. Dessa forma, Guarnieri, assim como Villa-Lobos, teve sua sorte influenciada por um pianista estrangeiro, no caso deste último, o norte-americano polonês Arthur Rubinstein.

Em meados de 1938, Guarnieri deixou o País com destino à Europa, onde estudou na França com o músico Charles Koechlin e o maestro François Ruhlmann, da Orquestra da Ópera de Paris. Com a aproximação da Segunda Guerra, voltou ao Brasil em 1939, em grande dificuldade financeira. Em 1942, ganhou seu primeiro concurso internacional de composição, com seu "1º Concerto". O reconhecimento levou a um convite para estudar nos EUA. Sua obra passou a ser executada em concertos no país e recebeu muitos elogios. Guarnieri havia se tornado conhecido pelos mais importantes músicos da Europa e EUA. Guarnieri retornou ao Brasil em 1943. Recebeu uma série de prêmios e tornou-se o regente da Orquestra Municipal de São Paulo. Dava ainda aulas em várias escolas.

Em 1947, retornou aos EUA, onde foi convidado a reger a Orquestra Sinfônica de Boston. Sua notoriedade, que nunca se converteria em conforto financeiro, levou-o a um episódio marcante em 1950, quando escreveu a "Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil". Considerava ser sua responsabilidade "alertar os jovens compositores quanto aos perigos de falsas teorias progressistas da música contrárias aos verdadeiros interesses da música brasileira". Referia-se ao "dodecafonismo", movimento criado pelo músico austríaco Arnold Schoenberg, que Guarnieri considerava "charlatanismo". Mas que estava seduzindo compositores brasileiros como Guerra Peixe, entre outros, por conta da influência no Brasil de Hans-Joachim Koellreutter, professor de vários músicos importantes, como Tom Jobim. Na década de 1950, Guarnieri prosseguiu compondo e dando aulas.

Foi assessor do Ministro da Educação e, após a morte de Villa-Lobos em 1959, tornou-se presidente honorário da Academia Brasileira de Música. Em 1961, casou-se com Vera Silvia, filha de um amigo, com quem teve três filhos, Tânia, Miriam e Daniel Paulo. Antes, de um primeiro casamento, teve seu primeiro filho Mário. No ano de 1975, a Universidade de São Paulo fundou sua orquestra sinfônica, criada especialmente para Guarnieri, o que encantou o compositor. Além do trabalho como regente, continuou com intensa atividade criativa e didática. Em dezembro de 1992, foi agraciado com o Prêmio Gabriela Mistral, oferecido pela Organização dos Estados Americanos (OEA), como o Maior Músico das Américas. Camargo Guarnieri morreu no dia 13 de janeiro de 1993.