sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Italianità - uma análise das raízes italianas na Festa da Uva de Caxias do Sul

Um belo estudo acadêmico sobre a Festa da Uva foi construído por Alexandre Fonseca Frigeri (mestrado Fundação Getúlio Vargas -2009). A seguir,trechos do estudo intitulado Os italianos, vinho e turismo: o Vale dos Vinhedos na Serra Gaúcha .

 "De início, a Festa da Uva aparece como uma celebração ligada às tradições dos imigrantes italianos, mas com um forte apelo à criação de identidades e solidariedade ao nível local.

Sua interrupção de 1938 até 1949 esteve ligada à Guerra e às possíveis consequencias da suposta identificação da população de origem italiana com o fascismo, fato que ocasionou perseguições e até mesmo uma retração das atividades econômicas na região.

(...) A partir dos anos 1980, porém, pode-se observar uma retomada do conteúdo mais especificamente 27 ligado a uma ênfase nessas tradições que, no entanto, são redefinidas em termos de uma roupagem mais abrangente. É assim que os conteúdos da festa, ainda que mantendo o fio condutor de um apelo às tradições italianas, paradoxalmente ficam mais descolados do plano local e passam a ser regidos pelos impactos da globalização, a partir das mudanças estruturais que se operam no sistema internacional no decurso dessa década. A partir daí, a motivação inicial da festa se descaracteriza, progressivamente se afastando de seus propósitos originários de uma festa agroindustrial voltada à criação de identidades comunitárias, para servir mais aos propósitos do turismo, com a multiplicação de uma série de atividades paralelas ao evento.

Curiosamente, essas atividades paralelas, bem como os próprios conteúdos temáticos da festa, no entanto, continuam fortemente marcados pela ênfase nos costumes, tradição e cultura italianos. (...)A Festa da Uva pode ser enquadrada como uma celebração periódica que inventa, no âmbito regional, a tradição de retorno às raízes italianas da população local, difundindo e mantendo a continuidade de valores e costumes centrados no culto à gastronomia, hábitos alimentares, jogos e outras atividades, tendo como símbolo a uva, e 29 que funcionam como um elemento aglutinador de aspectos ligados à cultura e identidade italianas".

Italianianità: as origens da Festa da Uva de Caxias do Sul

Uma das manifestações da italianidade na cidade gaúcha de Caxias do Sul é a Festa da Uva, que se repete anualmente desde 1931, com uma grande interrurpção entre 1938 e 1949 (Segunda Guerra Mundial e pós-guerra). Naquele ano, Caxias do Sul era uma cidade em pleno desenvolvimento.Com uma produção de quase 42 mil toneladas de uva, o município era responsável por quase um terço de toda a produção gaúcha da fruta. Naquele ano, os produtores daqui haviam exportado 21,1 milhões de litros de vinho tinto. E a cidade crescia.

A Festa da Uva era a celebração desse sucesso. Assim, a primeira Festa da Uva foi uma celebração da vindima. Não houve desfile de carros alegóricos nem escolha das Soberanas, mas sim, uma exposição discreta e elegante de uvas, na sede do Recreio da Juventude (esquina das ruas Visconde de Pelotas e Sinimbu). A comissão organizadora era formada por  Joaquim Pedro Lisboa, Alfredo Falcão, Zanini Moraes,Mário Fontana, Januário Germano, Nestor Mindelo Arthur Rech, João Agenor N. de Menezes,Antenor Antero Bizarro


O sucesso foi tanto que, antes mesmo de acabar essa edição, já estava sendo planejada a seguinte, realizada em 1932. sociação dos Comerciantes de Caxias. Essa edição foi realizada na Praça Dante Alighieri e teve um desfile de alegorias sobre rodas, puxadas por juntas de bois ou cavalos, representando a produção dos distritos de Caxias e dos municípios da região.

Mas, não houve ainda escolha da Rainha. Em 1932, ainda não havia um lugar fixo para sediar a Festa da Uva. Mas, como os organizadores precisavam fazer exposições, construíram um pavilhão na Praça Dante. O espaço foi dividido em duas partes. Na primeira, estavam os expositores de uvas, vinhos e sucos de Caxias e da região. Na outra, ocorria uma exposição agroindustrial, com a participação de empresas da Serra e também de Porto Alegre.

Para tornar o evento ainda mais atrativo, os organizadores da Festa da Uva de 1932 tiveram uma ideia. Em frente ao pavilhão provisório construído na Praça Dante, improvisaram também um chafariz do qual jorrava vinho. Não era possível ingerir a bebida, que ficou ao ar livre durante os oito dias de evento. Mesmo assim, era um símbolo da prosperidade da cidade. Já na segunda edição da Festa foi realizado um concurso entre os viticultores que participaram da exposição de uvas. Ganhou a Cooperativa São Victor, que apresentou variedades européias.

Mas, para a população, o mais interessante não era o concurso, e sim a possibilidade de degustar uvas e vinhos. A Festa da Uva se tornou realmente nacional depois dessa segunda edição. Segundo o jornal Correio do Povo, que fez matérias sobre o evento naquela época, cerca de 10 mil pessoas de Porto Alegre e municípios vizinhos vieram para Caxias do Sul. A maioria veio de trem. E o movimento foi tão grande para a estrutura da época que a companhia ferroviária precisou providenciar trens extras.

Para a pesquisadora Cleodes Piazza Julio Ribeiro, a Festa da Uva de 1932 deu o tom das Festas que viriam depois. Ela tinha a exposição de uvas e vinhos, a degustação da fruta e da bebida e o esboço do que mais tarde se transformaria em desfile de carros alegóricos. Só faltava a Rainha, que viria na edição seguinte. O corso alegórico

O primeiro corso alegórico da Festa da Uva foi realizado em 1932. Ele recebeu o nome de Cortejo Triunfal da Uva e foi considerado o ponto alto da Festa. Desfilaram pela Avenida Júlio de Castilhos 32 alegorias puxadas por juntas de bois. As carroças eram enfeitadas pelos próprios colonos com motivos ligados à uva, ao vinho e ao trabalho na terra. O primeiro corso alegórico, realizado em 1932, era uma verdadeira festa colonial. Os 32 carros alegóricos, idealizados e construídos pelos próprios colonos, eram acompanhados de moças e rapazes vestindo roupas típicas e entoando canções regionais. Copos de vinhos eram distribuídos ao público, que acompanhava os figurantes como se também fizessem parte do desfile.