quinta-feira, 8 de abril de 2010

Oriundi - Ciccillo Matarazzo e a criação do Museu de Arte Moderna

Criado em 1949 por iniciativa de um grupo de amantes da cultura, em particular Ciccillo Matarazzo, o Museu de Arte Moderna (São Paulo)guarda importante acervo nacional e internacional.

"Encabeça a genealogia do MAM – e, portanto, de sua coleção – uma carta enviada, em 1946, por Sérgio Millet, então diretor da Biblioteca Municipal de São Paulo, ao magnata norte-americano Nelson Rockefeller, presidente do Museum of Modern Art (MoMA) de Nova York. A correspondência falava de um grupo interessado em formar um Museu de Arte Moderna em São Paulo e a resposta, entusiasta, era de que a instituição nova-iorquina fundada em 1929 poderia servir de modelo a 'todas as entidades que se abririam com esse nome no mundo ocidenta'; palavras de Rockefeller.
No final do mesmo ano, a comunicação de Milliet com o conselheiro do MoMA Carleton Sprague Smith acertava a doação que viria dos EUA para iniciar o acervo de dois novos museus brasileiros. Ao todo seriam 14 trabalhos, sete para o MAM paulistano e sete para o MAM carioca, entregues ao Instituto dos Arquitetos do Brasil – Seção SP, nos termos de guarda provisória.

Da Europa, o empresário Francisco Matarazzo Filho acompanha os preparativos e destaca o secretário Carlos Pinto Alves para fazer a diplomacia das relações com o MoMA. Em janeiro de 1948, Ciccillo Matarazzo Sobrinho cria a Fundação de Arte Moderna, por meio da qual encomenda a Rockefeller uma exposição de arte abstrata, “que causaria grande repercussão e levaria o público a discutir essa forma especial de pintura”, como escreve o industrial ítalo-brasileiro em carta. Enfim, em julho de 1949, é criado o Museu de Arte Moderna de São Paulo. A ata de constituição da sociedade civil, registrada no Tabelionato Nobre da cidade, leva a assinatura de 68 artistas, empresários, intelectuais e arquitetos. Entre eles, Tarsila do Amaral, Villanova Artigas, Oswald de Andrade, o próprio Ciccillo e Milliet. Antes da inauguração da sede à rua Sete de Abril, o MAM expunha tímida coleção – constituída, por exemplo, de telas de Chagall, Dufy, Kandisky, Miró e Picasso, entre os estrangeiros, e Anita Malfatti, Di Cavalcanti, José Antônio da Silva, Mário Zanini e Volpi, entre os brasileiros – no endereço da Metalúrgica Matarazzo.

A maior parte das obras, supõe-se, pertencente a Ciccillo – as doações do casal Matarazzo são imprecisas até hoje. Os trabalhos doados por Rockefeller chegam ao museu em dezembro de 1949. São eles um móbile de Alexander Calder, aquarelas de George Grosz e de Marc Chagall, uma têmpera de Morris Grave, um óleo de Byron Browne e guaches de André Masson e de Fernand Léger. D

urante toda a década seguinte, a coleção amplia-se por meio de aquisições, realizadas sobretudo durante o período das Bienais, e doação de artistas, como é o caso de Emiliano Di Cavalcanti, que cedeu ao museu, em meados daquele decênio, mais de 500 de seus desenhos. Em 1963, Ciccillo apoiou-se no artigo de número 52 da escritura de constituição do MAM – o qual reza que “o patrimônio da associação se reverterá, no caso de dissolução, em benefício da Fundação de Arte Moderna”, dirigida por ele - para transferir acervo e tudo o mais ao nascente Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.

Membros da associação do MAM perpetram a tentativa inglória de rever a coleção; conseguem, apenas, sustentar o nome do museu. É só em 1967 que o museu reinicia a formação de um novo (ou segundo) acervo, com a doação da coleção do tesoureiro da instituição na época, Carlo Tamagni.

Outra alternativa foi muito bem pensada por Diná Lopes Coelho, secretária do MAM, idealizadora do Panorama de Arte Atual Brasileira, exposição periódica que traçaria a mais recente produção artística do Brasil, cujos prêmios, aquisitivos, engordariam a coleção. Em paralelo a isso, contava-se com doações generosas de artistas, colecionadores, empresas etc. De todo modo, as circunstâncias que se impunham fizeram o museu volver a diretriz do acervo: daí em diante, o MAM privilegiaria a arte do pós-guerra, produzida a partir dos anos 50.

Nas décadas posteriores, até meados de 90, o museu valia-se muito de doações e das aquisições do Panorama. A coleção dá uma guinada exponencial a partir do final do século passado. Se em 1998, a instituição contava com cerca de 2.500 obras, hoje a coleção constitui-se de mais de 4.000 peças, entre pintura, escultura, desenho, fotografia, vídeo, instalação e performance, concebidas por quase 1.000 nomes da arte brasileira. Entre eles, nomes importantes da ou para a atual produção, como Cildo Meireles, Beatriz Milhazes, Rafael França, Marepe, Rivane Neuenschwander, Valdirlei Dias Nunes, Leda Catunda, Rubens Mano, Daniel Acosta, Laura Lima, Nelson Leirner e Carlos Fajardo". (Fonte MAM)

Oriundi - O legado de Ciccillo Matarazzo

O desenvolvimento das artes no Brasil deve muito a um oriundo nascido de tradicional família de imigrantes italianos: Francisco Matarazzo Sobrinho ((São Paulo, 20 de fevereiro de 1898 — São Paulo, 16 de abril de 1977), mais conhecido por Ciccillo Matarazzo, cujo perfil é assim traçado no portal Sesc.

"Francisco Antônio Paulo Matarazzo, filho de Angelo Andrea Matarazzo e de Maria Virginia Geraldi, nasceu em São Paulo em 20 de fevereiro de 1898 e faleceu na mesma cidade em 16 de abril de 1977. Para a família, para os amigos, e mais tarde para todos os seus conterrâneos, simples e afetuosamente, Ciccillo – homem afável, de saudosa memória para todos os que tiveram a ventura de conhecê-lo, e cuja passagem por este mundo foi marcada tanto pela agudeza de sua visão empresarial como pelos esforços de sintonia com as necessidades da comunidade.

Uma vida assim sintetizada pelo jornalista Luiz Ernesto Machado Kawall por ocasião de sua morte, em matéria da Folha de S. Paulo (17/4/1977): 'Ciccillo nasceu ligado e deitou raízes no tempo e no espaço. Não teve um filho, mas amou a criação, a natureza, o belo, o ideal do entendimento entre os povos pelo congraçamento da arte'.

Era sobrinho do primeiro Francisco Matarazzo (1854-1937), italiano de Castellabate emigrado para o Brasil em 1881, aos 27 anos. E que cerca de 20 anos mais tarde já começaria a implantar um verdadeiro império industrial, representado por 365 fábricas espalhadas por todo o território brasileiro. Em 1934, o conglomerado de suas empresas (Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo – IRFM) tinha uma renda que só perdia, no Brasil, para o Produto Interno Bruto do estado de São Paulo, ultrapassando de longe Minas Gerais, o Distrito Federal e o Rio Grande do Sul. Em 1917, após vultosa contribuição à Itália durante a 1ª Guerra Mundial, o primeiro Francisco receberia do rei Vítor Emanuel o título de conde, logo mais estendido também a seus herdeiros. Ligando-se muito jovem ao trabalho da família e do tio, Ciccillo conseguiria em 1935 tornar-se independente com o desmembramento das várias empresas do grupo, cabendo-lhe a propriedade total da metalúrgica Matarazzo-Metalma.

Em 1944, por averbação em cartório adotou em definitivo o nome comercial de Francisco Matarazzo Sobrinho. Nascido em berço esplêndido, o menino Ciccillo recebeu educação esmerada, iniciada como a de outros garotos de seu tempo no prestigioso Instituto de Educação Caetano de Campos. Com 10 anos, porém, foi mandado pela família, com um preceptor, para estudar em Nápoles. Permaneceu na Europa até os 20 anos, tendo estudado engenharia na Universidade de Liège (Bélgica) – desse prolongado séjour europeu conservaria um sotaque típico, ítalo-francês, durante toda a vida, e um entranhado amor pela literatura e pelas artes. Na mocidade – como ele próprio confessava – preferia a arte acadêmica, e na verdade estava mais interessado "em uma reluzente Bugatti ou em uma Fiat modelo esportivo".

Na maturidade realizou um esforço consciente de integração no meio intelectual, desde o início da década de 1940, e começou a arranjar meios de tornar realidade o desejo de muitos: fazer de São Paulo um centro de efervescência artística e cultural permanente. Sonhos realizados A cidade de São Paulo assistiu na década de 1940 ao surgimento de vários clubes e associações de caráter artístico em que os remanescentes de 1922, juntando-se aos novos artistas e intelectuais recrutados na recém-criada Faculdade de Filosofia de São Paulo, organizavam-se para a criação institucional de uma cultura que pudesse se situar perante o mundo. Com a 2ª Guerra Mundial em curso, os contatos tradicionais com a Europa tornavam-se difíceis.

O Brasil assistia a um processo de substituição de referências culturais, orientando-se mais pelos moldes norte-americanos – aliás, para isso se empenhavam os governos do Brasil e dos Estados Unidos, através da chamada 'Política da Boa Vizinhança', que teve como coordenador o milionário Nelson Rockefeller, dono da Standard Oil e presidente do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).

Grande articulador dessa aproximação foi um dos maiores intelectuais da época, o crítico de arte Sérgio Milliet, desde o tempo em que era professor da Escola de Sociologia e Política até tornar-se diretor da Biblioteca Municipal. E também o arquiteto Eduardo Kneese de Melo. Ligando-se a eles por laços de amizade e trabalhando em conjunto no projeto do Museu de Arte Moderna – e um pouco mais tarde no da Bienal –, Ciccillo tornou-se um conhecedor de arte e dedicou o resto de sua vida às atividades culturais. Em sua linguagem peculiar, diria o empresário, mais tarde, que fundara o museu porque necessitava fazer alguma coisa do gênero, era preciso 'levantar o diabo nell’acqua morta'.

Em 1947, Ciccillo casa-se em Roma com Yolanda Penteado, uma sobrinha de dona Olívia Guedes Penteado que herdara fortuna e tradição familiar de amparo às artes e se tornara uma "locomotiva" da alta sociedade brasileira – uma catalisadora da grande energia criadora de artistas e intelectuais. Quando o casal estava em Paris em lua-de-mel, Ciccillo adoeceu dos pulmões. Por recomendação médica, tiveram de passar uma temporada no sanatório de Schatzalp, em Davos (Suíça), que já passara à história da literatura como cenário do romance de Thomas Mann, A Montanha Mágica. Lá conheceram o museólogo alemão Karl Nierendorf, diretor do Museu Guggenheim, com quem mantiveram longas e instrutivas conversas.

Ele acabou por lhes sugerir a montagem de uma exposição de arte abstrata para a abertura do MAM, que já estava sendo planejado pelo casal brasileiro.

Seu conselho frutificou no espírito de Ciccillo e Yolanda – a primeira mostra do museu, "Do Figurativismo ao Abstracionismo", aberta em março de 1949, marcaria época: apesar do nome, na realidade trazia somente trabalhos abstratos e condensava toda a polêmica em torno desse tipo de arte, que já corria há tempos. Em 1948 Ciccillo fundou também, com seu amigo de infância Franco Zampari, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), e, em 1949, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz. A partir dessa época, e até sua morte, a figura do empresário se faria presente também na criação da Cinemateca Brasileira, do Museu de Arte e Arqueologia da Universidade de São Paulo e do Balé do 4º Centenário. Logo após a inauguração do MAM, Ciccillo propôs a realização de uma grande mostra periódica internacional, inspirada na Bienal de Veneza – ideia ousada, que enfrentou a resistência de alguns membros da diretoria. Percebendo que não poderia realizar esse sonho apenas convidando por correspondência os artistas estrangeiros, Ciccillo insistiu que Yolanda fosse pessoalmente à Europa para isso.

Devemos a realização da 1ª Bienal, em 1951, a essa grande mulher, que tinha um notável poder de sedução e convicção. No dia da inauguração do evento, 20 de outubro, chovia torrencialmente, mas uma multidão de 5 mil convidados comprimia-se tanto na Avenida Paulista, diante do salão do Trianon, que o ministro das Relações Exteriores foi obrigado a fazer uma entrada sui generis no recinto da exposição: pela janela. O sucesso do evento foi tão grande que foram iniciados imediatamente os preparativos para a 2ª Bienal – a mais gloriosa de todas que já tivemos.

Inaugurada no final de 1953, ela continuaria durante as comemorações do 4º Centenário da cidade, em 1954. Ciccillo presidia a comissão desses festejos e convocou Oscar Niemeyer e Burle Marx para construírem em tempo recorde edifícios e jardins em uma área de várzea, distante e sem nenhuma estrutura urbana até então – que se transformou no Parque do Ibirapuera.

A 2ª Bienal trouxe para nosso público um presente régio: nada menos que o mais famoso quadro de Picasso, Guernica. Além do artista espanhol, contavam também com salas especiais Calder, Paul Klee e Mondrian. O escultor britânico Henry Moore compareceu pessoalmente e foi premiado. Diz a historiadora e crítica de arte Aracy Amaral: 'A Bienal de São Paulo foi um evento que realmente marcou nossas vidas [...] dos críticos, artistas e historiadores da arte [...] Nós nos envolvemos nesse ambiente tão cheio de vibração que existia nos anos 1950. Mas isso não ficou apenas na 1ª Bienal. Esse clima perdurou nas bienais que vieram depois. Talvez isso exista até hoje'.

Em 1962, as Bienais seriam desvinculadas do MAM e surgiria a Fundação Bienal de São Paulo. No ano seguinte, o acervo do MAM passaria totalmente, por decisão de Ciccillo Matarazzo, para um novo museu, o de Arte Contemporânea, cuja administração foi confiada à Universidade de São Paulo. Ele doou também a essa instituição 419 peças de sua coleção particular. Sua esposa, Yolanda, doou 19 obras. Uma grande parte dos sócios do MAM opuseram-se ao fechamento da instituição e decidiram mantê-la em funcionamento

Reestruturado a partir de 1968, o museu existe até hoje. Ciccillo foi também político, tendo sido prefeito de Ubatuba de 1964 a 1969, eleito pelo Partido Social Progressista (PSP). Organizou importantes eventos no município, como a alfabetização em massa promovida segundo o Método Paulo Freire (em plena ditadura, e quando o educador pernambucano já estava banido e exilado) – tal como descrevemos na matéria 'Ubatuba 65: Uma Revolução em Surdina' (PB 385, janeiro-fevereiro de 2008). Ele passou também por dois processos de cassação, ambos sem êxito".