domingo, 2 de janeiro de 2011

Italianità – O jeito de ser italiano na literatura de Alcântara Machado (1)


Contista, cronista, crítico literário, romancista e jornalista. Essas são as faces de Antonio Castilho de Alcântara Machado de Oliveira (São Paulo25/05/1901 - 14/04/1935), uma das figuras centrais do modernismo brasileiro, autor do livro Brás, Bexiga e Barra Funda. A obra é uma seleção de 11 contos ambientados em bairros paulistanos onde era marcante a presença de imigrantes italianos.

O mundo virtual da internet oferece inúmeros textos que analisam  Brás, Bexiga e Barra Funda. Um deles é de autoria do embaixador Rubens Ricupero. O diplomata inicia sua análise descrevendo o contexto histórico que permeou a obra de Alcântara Machado.

As duas primeiras décadas do século marcam o momento de maior intensidade da maneira de ser ítalo-brasileira. Antes, predominava o ítalo, o estrangeiro inseguro, preocupado em sobreviver, ignorante da língua e dos costumes. Depois, irá prevalecer, pouco a pouco, o brasileiro, o neto ou bisneto de italianos integrado na comunidade, vivendo em bairros de gente afluente, não guardando mais do que algumas palavras na língua dos avós.

Entre esses dois pólos extremos, de cultura mais ou menos homogênea, estende-se o período híbrido da mistura das línguas e das comidas, do apagar gradual dos valores e imagens do país que ficou atrás e do engajamento progressivo na realidade nova. É quando os filhos de imigrantes, confiantes em seus direitos de brasileiros natos, mais à vontade na língua que aprenderam no Grupo Escolar do que no dialeto ouvido em casa, se lançam à luta pela conquista de um lugar melhor na sociedade de adoção.

Às vezes com agressividade, sempre com energia, esses ítalo-brasileiros vão abrir um espaço próprio, que a cidade lhes concede com maior ou menor dificuldade, pois está também em plena expansão.

Do burgo provinciano e modorrento de 1800, só animado pelos estudantes da velha Escola de Direito, quase perdendo para Campinas sua condição de Capital da Província, São Paulo prepara-se para ingressar no ciclo contínuo de transformações que irá multiplicar-lhe 40 vezes a população — dos 165 mil habitantes de 1890 para os mais de 7 milhões atuais.

A prosperidade do café na segunda metade do século XIX, antes das crises de superprodução deste século, gera a acumulação de capitais que vai tornar possível a arrancada da industrialização. 

ma convergência de circunstâncias propícias concorre para fazer de São Paulo a grande metrópole industrial de hoje: os capitais dos barões e comissários do café; a energia elétrica produzida pelos canadenses da Light na represa Billings, vizinha à cidade; a mão-de-obra e o mercado consumidor fornecidos pelos imigrantes; as restrições às importações conseqüentes à Primeira Guerra Mundial.
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Os imigrantes italianos serão, ao mesmo tempo, agentes ativos e beneficiários da industrialização e os nomes peninsulares ficarão para sempre ligados à revolução industrial paulista. A participação italiana é sensível já na fase inicial de indústria de bens de consumo, alimentos ou tecidos, dominada pelos Matarazzos e Crespis, durante a qual o Conde Francisco Matarazzo aparece como a figura simbólica dos novos magnatas, uma espécie de Rockefeller paulista. 

Mais tarde, ela se acentua no desenvolvimento da indústria pesada de máquinas e equipamentos, onde a inventividade mecânica dos italianos do norte vai criar os gigantes industriais de hoje, os Bardellas, os Dedinis, os Romis.

Se a História, mais sensível ao êxito ostensivo do que às vidas obscuras, vai guardar apenas os nomes dos donos de fábricas, é preciso não esquecer que eram também, em geral, italianos os que operavam essas fábricas. E serão italianos os trabalhadores que introduzirão no Brasil as correntes de pensamento e ação sociais da Europa contemporânea, o que se chamava, na linguagem policial de então, as doutrinas exóticas: o anarquismo, o socialismo, o movimento sindical, a organização das primeiras greves.

É nesse contexto dinâmico de expansão econômica, de aumento da população, de modernização urbana, de criação de oportunidades que se situam dois fenômenos, um cultural, outro sociológico: a Revolução Modernista de 22 e a emergência da geração dos filhos de imigrantes. Do encontro desses mundos vai surgir o livro de Alcântara Machado.

Os dois movimentos apresentam afinidades evidentes. Ambos são jovens, vigorosos, modernos, inovadores, numa postura que se pode resumir como basicamente otimista diante da possibilidade de construir o futuro.

E o que vai explicar, no livro, de um lado, a ênfase na descrição do que é força, ascensão, êxito, na vida do imigrante e, de outro, o silêncio sobre o problemático e as tensões mais profundas, a presença da dor apenas sob a forma de sentimento individualista”.