sábado, 30 de janeiro de 2010

História 47 – "Far l´America (15)": aspectos da colonização italiana no Rio Grande do Sul

Em 2005 um outro pesquisador brasileiro lançava novos olhares sobre a imigração italiana nas terras gaúchas. Trata-se de Mário Maestri, autor do livro "Os Senhores da Serra - A colonização italiana no Rio Grande do Sul (1875-1914)".

Mário Maestri estudou história no RS, na UFRGS, no Chile, como refugiado político, de 1971 a 1973, no Instituto Pedagogico da Universidade de Chile. Após o golpe de 11 de setembro de 1973, transferiu-se para a Bélgica, onde se graduou e pós-graduou em Ciências Históricas, no Centre de Histoire de l'Afrique da Université Catholique de Louvain, defendendo dissertação de mestrado sobre a África negra pré-colonial, e tese de doutoramento sobre a escravidão no Rio Grande do Sul. De volta ao Brasil lecionou, entre outras instituições, no programa de pós-graduação em História da UFRJ e da PUC-RS. É atualmente professor do programa de pós-graduação em História da Universidade de Passo Fundo, onde orienta trabalhos de pós-graduação em História, sobretudo sobre a história da escravidão colonial, da imigração colonial-camponesa, da economia pastoril e da arquitetura.


Pedro Paulo Funari, do Departamento de História da Unicamp comenta a obra no site  Espaço Acadêmico (na foto um casamento na colônia).

“Maestri explora os dois contextos que explicam o movimento migratório, no Brasil escravista e na Itália em mudança econômica e social, com a exploração dos camponeses. No Brasil, os imigrantes, à diferença da Itália, podiam ser senhores de si. A imigração foi ideada e implantada, a partir do êxito dos colonos germânicos, desde 1824, em um Estado escravista arcaico. A imigração, nos primeiros cinqüenta anos, deu-se por decisão imperial, com oposição dos escravistas nacionais e locais.

O projeto colonizador foi a única desconcentração efetiva da estrutura fundiária no Rio Grande do Sul. De 1875 a 1914, 80 mil imigrantes deixaram o Vêneto (54%), a Lombardia (33%) e outras áreas ao norte da península itálica, para instalar-se no Rio Grande do Sul. A travessia transatlântica deixara de ser incerta, ainda que as doenças infecciosas vitimassem muitos imigrantes no meio do caminho.

A grande maioria dos imigrantes era analfabeta, dominando apenas o dialeto local, com parcos conhecimentos, se tanto, do italiano. No ambiente colonial brasileiro, formaram-se koinés coloniais, organizando léxicos itálicos com a dominância de sintaxe portuguesa”.

“A viagem até a Serra Gaúcha era lenta e penosa, mas a abundância de carne chamava a atenção dos recém chegados. Ingressavam em um ambiente de infra-estrutura e recursos arcaicos, próprios do escravismo. Maestri mostra como as soluções arquitetônicas dos colonos diferenciavam-se das originárias na Itália, tanto no âmbito das casas, como das igrejas, e como o patriarcalismo predominava, com a submissão e super-exploração das mulheres e crianças. O patriarcado colonial predominava e marcava uma sociedade que favorecia o despotismo.

Ante a tecnologia escravista local, os italianos lembravam-se, com saudades da tecnologia medieval, muito mais moderna, de sua terra natal, a mostrar o caráter escravista e patriarcal da sociedade brasileira. Isso ficava claro na mortalidade infantil, aqui de 250 por mil, ante 150 por mil na pobre Itália de origem”.

“O livro de Maestri lança um olhar original sobre um tema de crescente interesse, ao mostrar que predominaram os conflitos e contradições, tanto no âmbito das classes sociais, como no interior desses segmentos, com destaque para as assimetrias nas relações de gênero. Ressalta como o contexto brasileiro, patriarcal e escravista, conformou uma sociabilidade própria, distante do verniz capitalista que, no Rio de Janeiro ou em Porto Alegre, poderia passar a falsa impressão de uma vida burguesa inexistente, em ambiente escravista e patriarcal. Maestri desmistifica as imagens que enfatizam a homogeneidade da sociedade colonial dos imigrantes, ao mostrar sua diversidade, de falares, de relações de gênero, de comportamentos quotidianos, na vida pública e privada, civil e religiosa”.

História 46 – "Far l´America (14)": o início da colonização italiana no Rio Grande do Sul




Além de Rovilio Costa, outros tantos acadêmicos, historiadores e pesquisadores brasileiros se preocuparam em estudar o fenômeno da imigração italiana no Rio Grande do Sul. É o caso de Maria Abel Machado (do Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul) e de Vania Beatriz Merlotti Herédia (Universidade de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul). Ambas assinam o texto A formação de núcleos urbanos na região de colonização italiana no Rio Grande do Sul . A seguir, trecho desse treabalho publicado também no site da Universidade de Barcelona.

“O Governo Imperial concedeu em 1848, como doação 36 léguas quadradas de terras para a colonização de emigrantes europeus que ocupariam a planície dos Vales do Rio Caí e do Rio dos Sinos. O Governo Provincial do Rio Grande do Sul pressupunha que essas terras estivessem preenchidas pelas colônias de Santa Cruz, Santo Ângelo, Nova Petrópolis e Monte Alverne e solicitava mais terras devolutas do planalto, cobertas de mata virgem, ou seja, dois territórios de quatro léguas em quadro, equivalentes a 32 léguas quadradas para continuar a obra de colonização. Essas terras situavam-se na região da Encosta Superior da Serra do Nordeste da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, localizada entre as bacias dos rios Caí, Antas e Taquari, com os limites geográficos em São João do Montenegro, São Sebastião do Caí, Taquara do Mundo Novo e São Francisco de Paula de Cima da Serra.

Essa concessão não era gratuita e o preço estabelecido da terra pelo Império equivalia a 1 real por braça quadrada medida. Devido ao custo elevado, a Província teve de devolver as terras e ao mesmo tempo romper contratos feitos. Isso representava que a Província não tinha condições de assumir os compromissos estabelecidos pela lei. O processo de colonização do Rio Grande do Sul visava a formação de colônias agrícolas, produtoras de gêneros necessários ao consumo interno implantadas longe da grande propriedade, para não criar problemas à hegemonia do latifúndio, como parte do projeto do Governo Imperial, de ocupar as regiões despovoadas do país na segunda metade do século XIX".

"Além de implantar novas colônias agrícolas, com mão-de-obra européia, tinha a pretensão de abrir estradas que permitissem a ligação do planalto com a Depressão Central, estimular a imigração, branquear a raça e formar um exército de defesa das fronteiras sulinas”. “Os núcleos de Conde D’Eu e de Dona Isabel foram as primeiras colônias provinciais a serem organizadas no ano de 1870, criadas pelo Ato de 24/05 daquele ano pelo presidente da Província João Sertório.

Essas colônias apresentaram uma série de dificuldades para serem povoadas. Em 1871, o fracasso dessa ocupação era visível, pois apenas 37 lotes haviam sido ocupados em Conde D’Eu e nenhum em Dona Isabel. Devido a essa situação, o Presidente da Província, Francisco Xavier Pinto, assinou um contrato em 29/04/1871, de acordo com a Lei n° 749, com a Companhia Caetano Pinto & Irmão e Holtzweissig & Cia.de introduzir “40.000 colonos industriosos, jornaleiros e principalmente agricultores, no prazo de dez anos”. Uma das condições desse contrato era a introdução anual de 2.000 colonos no mínimo e 6.000 no máximo, devendo a maioria desses serem agricultores. Essa Companhia receberia 60$000 por adulto e 25$000 por menores de dez anos, cabendo à Província hospedar e transportar os colonos até o local destinado. Em 1872, o número de colonos radicados nas colônias foi de 1.354; em 1873, 1.607; em 1874, 508 e, em 1875, foi de 315.

Esse contrato foi prejudicado pelo não cumprimento de suas principais cláusulas como também pela concorrência dos agentes do governo imperial, que pagavam por imigrante adulto 70$000, conforme contrato feito com a Mackai Son & Co. e Guilherme Hasfield, de Londres. O fracasso da iniciativa levou a Província a devolver o projeto ao Império, conforme aviso n° 56 de 27/10/1875, sendo que o débito do empreendimento da Província atingia, nesse período, 1/6 do seu orçamento, ou seja, 288:000$000.[13] Além de tudo, os novos colonos chegados às colônias recusavam radicar-se nelas por falta de condições apresentadas, no que incorria o não-cumprimento do estabelecido pelos agentes.

A intensificação da corrente imigratória italiana se deu à medida que o contrato com a Companhia Caetano Pinto & Irmãos e Holtzweissig & Cia. se rompeu, e o programa de colonização foi devolvido ao Império. O Governo Provincial, na vigência da lei 749, contratara os serviços de José Antônio Rodrigues Rasteiro para receber e destinar os colonos ao local prometido.À medida que aumentava o número de imigrantes, o Império suspendia os benefícios criados pela lei de 1867, conservando apenas a venda do lote a crédito e trabalho remunerado, ou seja, 15 dias por mês de trabalhos para a direção da Colônia na construção de estradas. Em 1884, a Província encaminha a emancipação dessas colônias, suspendendo ao mínimo suas responsabilidades. Acreditavam que o sucesso dessas colônias surgiria do trabalho humano e da expansão da agricultura”.

Oriundi: o legado de Rovilio Costa, o frei da italianidade (2)

A morte do frei Rovilio Costa em 13 de junho de 2009, ganhou amplo destaque na imprensa do Rio Grande do Sul e na internet (sites e glogs brasileiros e também italianos)
 
O tradicional jornal Zero Hora, de Porto Alegre, assim lembrava o ilustre relogioso.

“Caçula de sete irmãos, Rovílio contou a ZH que a opção pelo sacerdócio começou a germinar enquanto o ainda menino estava prostrado por uma meningite.

— Naquela época, diziam que quem tinha meningite e sobrevivia ficava meio tonto. Como se vê, eu fiquei completamente tonto — brincou o Frei das Letras.

Hospitalizado por quase três anos devido à doença, o garoto Rovílio começou a perceber o poder tranqüilizador que exercia sobre os doentes a chegada de um padre. A mãe trabalhava no hospital para ajudar a custear o tratamento do filho. Ativa na missão de acompanhar doentes e prestar assistência aos necessitados, levava vez por outra o garoto com ela.

Ingressou no seminário no dia 4 de fevereiro de 1946, aos 11 anos, meio às escondidas do pai, prático como a maioria dos imigrantes.

— Meu pai tinha a opinião de que só precisava sair de casa para trabalhar quem não tinha serviço em casa, e, numa família de agricultores, serviço em casa era o que não faltava. Ele também dizia que padre que usava batina mas não rezava missa não era padre de verdade.

Em 1969, tornou-se padre. Nessa mesma década, passou a pesquisar sobre a história da imigração.

Professor em Vila Ipê (na época distrito de Vacaria), Rovílio costumava frequentar uma bodega na qual era comum encontrar um grande número de velhos moradores da comunidade, jogando quatrilho e tomando cachaça ou vinho de garrafão. Os nonni contavam causos, falavam alto em dialeto, relembravam a história viva da colônia ali mesmo, na frente do sacerdote, que, preocupado em preservar toda aquela memória antes que os mais velhos morressem, começou a tomar notas obsessivamente e a organizar as narrativas que lhe eram contadas.

Escreveu uma série de histórias para o jornal Correio Rio-Grandense, de Caxias do Sul, material nunca publicado. Anos mais tarde, com base em suas notas, Frei Rovílio lançaria um dos livros clássicos sobre a colonização: Imigração Italiana: Vida, Costumes e Tradições.

— Documentos, registros, nomes e datas são o esqueleto da história. O que precisamos é preencher o máximo possível esse esqueleto com a carne do relato cotidiano — comentava o frade”.

Oriundi: o legado de Rovilio Costa, o frei da italianidade (1)

Nos estudos sobre a imigração italiana no Brasil, o nome do frei "cappuccino" Rovilio Costa (1934-2009) ganha particular destaque não só pelo conjunto da obra que o religioso nos legou, mas também pela forma apaixonada com que ele tratava o tema das raízes italianas no Rio Grande do Sul, estado onde nasceu (cidade de Veranópolis).

Descendente de pai cremonese e mãe nascida em Pádua, , frei Rovilio carregava no sangue e na alma uma italianidade que não cabia em si mesmo. O pulsar na veias desse sentimento o fez compartilhar,globalmente, histórias e segredos da grande imigração italiana nas serras gaúchas, reservando-nos um verdadeiro tesouro literário. Sendo assim, esse blog abre espaço especial para o Frei da Italianinade.

Rovilio Costa era licenciado em Filosofia e Pedagogia, Mestre em Educação e Livre Docente em Antropologia Cultural. Lecionou na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde fundou e dirigiu por 15 anos a revista Educação e Realidade; e na EST - Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, de Porto Alegre, da qual foi diretor. Como sacerdote, foi Vigário Paroquial em Ipê, Antônio Prado e em Porto Alegre - na paróquia Sagrada Família e da Igreja Maronita Nossa Senhora do Líbano.

Atuou na Penitenciária Estadual do Jacuí e no Presídio Central de Porto Alegre como coordenador de grupos, organizador de atividades sociais, religiosas e culturais. Colaborou com centenas de artigos para jornais de seu Estado: Correio Riograndense – de Caxias do Sul; Estafeta e Panorama Regional – de Veranópolis; e do Estado do Paraná: Jornal de Beltrão – de Francisco Beltrão, além das revistas Insieme – de Curitiba-PR, Teocomunicação – da PUC-RS, e Altreitalie – de Torino, Itália.

Responsável por boa parte do registro e do resgate da história da imigração no Rio Grande do Sul, fundou (1973) e dirigiu a EST Edições, pela qual foram se produziram 2.600 edições, com 2.400 títulos, envolvendo mais de três mil autores de textos e/ou livros versando sobre famílias, municípios, escravidão negra, e imigrações judaica, polonesa, italiana, alemã, açoriana e portuguesa, com destaque aos municípios originários de Santo Antônio da Patrulha