quarta-feira, 17 de março de 2010

História (118)– Especial: Imigrantes e Fascismo(4)

O jornal Folha de S.Paulo, publicou em setembro de 2007 entrevista com o professor Aneglo Trento, da Università di Napoli. A repórter Adriana Marcoloni abordou com Trento a temática fascismo-imigração iatalina no Brasil. A seguir, um trecho dessa entrevista.

 FOLHA – O fascismo foi um instrumento para a identidade e a integração dos imigrantes italianos na sociedade brasileira?

ANGELO TRENTO – O fascismo foi, certamente, um instrumento de construção (e, para as camadas médias, de fortalecimento) de uma identidade nacional que também envolvia as classes populares, que por muito tempo, depois da unidade da Itália [no século 19], haviam permanecido ligadas a uma dimensão regional, quando não local, expressa por meio de usos, costumes e vários dialetos, segundo a região de nascimento. Com sua agressividade verbal, porém, o governo de Mussolini também estimulou uma atitude de distanciamento em relação à sociedade de acolhimento. Esse sentimento de estranhamento representou a exceção e não a regra, mas não resta dúvida de que a aquisição de uma consciência nacional acabou por identificar a italianidade com o fascismo. Assim, as manifestações dos seguidores de Mussolini em terras brasileiras (como em tantos outros países) se identificaram com hinos, desfiles e a ostentação de camisas pretas, terminando por criar uma fricção com a população local.

FOLHA – O governo de Mussolini queria fazer do Brasil uma “nação fascista” ligada a Roma ou nutria pretensões imperialistas?

TRENTO – A ideia do fascismo era aproveitar o número significativo de italianos que viviam e trabalhavam em alguns países da América Latina para criar grupos de pressão e uma atmosfera favorável à Itália, sob a forma de simpatias políticas e com fins econômicos e comerciais, posição já presente na classe dirigente italiana a partir do final do século 19. Não havia pretensões imperialistas nem de expansão territorial.

FOLHA – Em geral, a historiografia brasileira afirma que a ideologia fascista só encontrou seguidores entre a elite da coletividade italiana, enquanto as classes populares abraçaram o anarquismo. Isso é verdade?

TRENTO – Foi apenas uma minoria que se empenhou no movimento operário, defendendo posições anárquicas, anarcossindicalistas e socialistas. De qualquer forma, isso aconteceu antes dos anos 1920 (caracterizados no Brasil por uma grande repressão). O fascismo encontrou sem dúvida um vasto consenso entre a coletividade italiana e não apenas entre as classes altas e as camadas médias, mas também entre a pequena burguesia (como na Itália), principalmente comercial, e entre os próprios operários, principalmente nos anos 1930. Vários fatores contribuíram para esse êxito: primeiro, a ausência ou a fraqueza de um componente do “Risorgimento” na emigração que se dirigiu para o Brasil, a qual, ao contrário do que aconteceu na Argentina e no Uruguai, não havia antes dominado o mundo das associações regionais, orientando-o politicamente de forma desfavorável ao regime.

Em segundo lugar, influiu uma obra de propaganda mais minuciosa, que se valeu não apenas de bolsas de estudo concedidas aos jovens brasileiros, convites de viagem para jornalistas, projeções de filmes e subsídios a jornais locais que falavam bem do regime, mas também de iniciativas culturais (professores visitantes nas universidades brasileiras) e empreendimentos que atingiam o imaginário coletivo, como as travessias aéreas do Atlântico que tinham como meta o Brasil, realizadas por pilotos italianos entre 1927 e 1931. Em terceiro lugar, o prestígio elevado de que gozava Mussolini com a opinião pública, as classes dirigentes e os governos estrangeiros influenciava principalmente os emigrantes. Enfim, no Brasil, havia, mais que nos outros países de forte imigração italiana na América Latina, um corpo diplomático altamente fascistizante depois de 1925.

História ( 117)- "Far l´America (65)": Imigração e associativismo italiano em Ribeirão Preto

A expansão da atividade cafeeira no Oeste de São Paulo, na segunda metade do século XIX, impulsionou, como se sabe, políticas de incentivo à imigração. Nesse contexto a cidade de Ribeirão Preto surge com um pólo de atração dessa nova mão de obra. Em sua dissertação de mestrado, Patricia Gomes Furlanetto traça um panorama da fixação do imigrante italiano ás terras daquela cidade e foca seu trabalho no Ela lembra que entre 1890 e 1902, a população de Riberirão saltou de pouco mais de 12 mil habitantes para quase 53 mil habitantes, sendo que 27. 775 eram italianos. A rede de proteção dessa comunidade estava alicerçada num pilar bem definido: as sociedades de mútuo-socorro.

Ao resumir o seu estudo a autora lembra que  a  tese "tem como objetivo a análise das práticas associativas de imigrantes italianos na cidade de Ribeirão Preto entre o final do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX. A escolha da cidade de Ribeirão Preto deveu-se, além da expressividade do fluxo migratório italiano, ao perfil do imigrante e à sua participação na dinâmica sócio-econômica de uma sociedade local inserida na expansão cafeeira no Estado de São Paulo.

O foco da reflexão, por sua vez, centrou-se na forma como esses imigrantes se organizaram e intensificaram suas relações através de mecanismos de ajuda mútua e de solidariedade, ganhando novos espaços e significados num país que desconhecia políticas de previdência social. No decorrer da dinâmica cotidiana e das inúmeras adaptações, essa prática associativa adquiriu novos significados através de uma mediação entre a (re)criação de uma identidade coletiva de "italianidade" e os costumes diversos de um grupo que, apesar de heterogêneo, em vários momentos necessitou demonstrar coesão.

Além da contingência gerada pelo próprio ato de migrar, os diversos segmentos sociais de uma Itália em processo de unificação, ao criarem suas redes sociais, depararam-se com a necessidade de uma identidade étnica, apesar dos diversos conflitos de interesses. Assim, o objetivo de conquistar a liberdade/dignidade, fosse pelo trabalho, pelo exercício da cidadania, ou pela declaração afirmativa de luta de classes, possuiu a solidariedade e identidade étnica como instrumento hábil. Para tanto, enfoquei a formação das sociedades italianas Societá Operaia di Mutuo Soccorso Unione Italiana, Societá Italiana di Mutuo Soccorso Unione e Fratellanza, Societá Unione Meridionale, Societá di Mutuo Soccorso e Beneficenza Pàtria e Lavoro e a Societá Dante Alighieri.

A documentação em questão se insere num conjunto de livros de atas, listas de sócios, imprensa de língua nacional e italiana, registros de impostos e outros registros referentes aos membros das sociedades e da cidade de Ribeirão Preto. Diante desse grande conjunto documental, optei por analisar a formação das respectivas sociedades, seus principais integrantes e suas inúmeras estratégias e, ao analisá-lo, procurei compor uma leitura que refletisse sobre as práticas desses imigrantes e como lograram associações que tiveram grande importância na cidade de Ribeirão Preto”.

História (116)– Especial: Imigrantes e Fascismo(3)

A difusão do regime fascista de Benito Mussolini encontrou no Brasil uma ponte segura e eficaz representada pelo associativismo italiano, sobretudo as sociedades de mútuo-socorro. É o que mostra  o trabalho de Rosane Siqueira Teixeira quem tem por título  Nacionalismo-fascismo-italianidade .

"No Brasil, de maneira geral, a Itália fascista mantinha uma boa imagem na opinião da população (Cf. Cervo, 1992). O primeiro Fascio foi constituído em São Paulo no ano de 1923 e após os anos trinta já contava com um número considerável de organizações espalhadas por todo o Estado. O Partido Nacional Fascista 'viu desde início a emigração como expressão máxima de uma vigorosa vitalidade expansionista dos italianos' e, para este, era necessário 'levar os que residiam fora das fronteiras da pátria a identificar a italianidade com o fascismo' (Trento, 1989, p. 333). Assim, o ponto forte de penetração fascista foram as sociedades italianas, incluindo as associações de socorro mútuo e de beneficência, que apesar de não contarem com um número tão expressivo de sócios, como por exemplo, nas associações da Argentina, espalharam-se por todo território nacional (Cf. Trento, 1989). A tese de que essas associações poderiam ser um poderoso instrumento de difusão dos ideais nacionalistas, contudo, não era nova. De Luca (1990, p. 150) assinala que desde 1910 o governo italiano já havia pensado na possibilidade de apoiá-las “em função de sua importância como instrumento capaz de de preservar a italianidade".