quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

História 35 – “Far l’America” (3) – Breve entendimento do fenômeno da chegada dos imigrantes italianos ao Brasil



Na comemoração dos 500 Anos do Descobrimento do Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incliu em seu site um especial sobre imigração italiana. O texto de referência foi pinçado do livro Brasil : 500 anos de povoamento /IBGE, 8o capítulo "Imigrantes italianos: entre a italianitá e a brasilidade" de Angela de Castro Gomes.


“Foram muitas as nacionalidades de imigrantes que vieram para o Brasil desde as primeiras décadas do século XIX, mas o italiano, mesmo não sendo o "mais branco e instruído", ficou marcado como um imigrante adequado e confiável para a execução das tarefas que o Brasil dele esperava. A importância deste grupo no movimento migratório europeu que teve como destino o Brasil, é enorme por várias razões:

- Uma delas é de ordem quantitativa: entre 1870 e 1920, momento áureo do largo período denominado como da "grande imigração", os italianos corresponderam a 42% do total dos imigrantes entrados no Brasil, ou seja, em 3,3 milhões pessoas, os italianos eram cerca de 1,4 milhões.

- Outras são de natureza qualitativa: o italiano reuniu as duas condições de imigração mais valorizadas por autoridades públicas, por intelectuais e por empresários privados. A proximidade de língua, religião e costumes, fez o imigrante italiano mais facilmente assimilável por nossa sociedade do que os alemães ou japoneses, por exemplo; além disto, correspondeu aos ideiais de branqueamento de nossa população, acreditado como desejável para que nos tornássemos mais "civilizados" diante de nossos próprios olhos e aos olhos do mundo”.

“Os italianos, como todos os demais imigrantes, deixaram seu país basicamente por motivos econômicos e sócio-culturais. A emigração, que era muito praticada na Europa, aliviava os países de pressões sócio-econômicas, além de alimentá-los com um fluxo de renda vindo do exterior, em nada desprezível, pois era comum que imigrantes enviassem economias para os parentes que haviam ficado.


No caso específico da Itália, depois de um longo período de mais de 20 anos de lutas para a unificação do país, sua população, particularmente a rural e mais pobre, tinha dificuldade de sobreviver seja nas pequenas propriedades que possuía ou onde simplesmente trabalhava, seja nas cidades, para onde se deslocava em busca de trabalho.

Nessas condições, portanto, a emigração era não só estimulada pelo governo, como era, também, uma solução de sobrevivência para as famílias. Assim, é possível entender a saída de cerca de 7 milhões de italianos no período compreendido entre 1860 e 1920. A imigração subvencionada se estendeu de 1870 a 1930 e visava a estimular a vinda de imigrantes: as passagens eram financiadas, bem como alojamento e o trabalho inicial no campo ou na lavoura.

Os imigrantes se comprometiam com contratos que estabeleciam não só o local para onde se dirigiriam, como igualmente as condições de trabalho a que se submeteriam. Como a imigração subvencionada estimulava a vinda de famílias, e não de indivíduos isolados, nesse período chegavam famílias numerosas, de cerca de uma dúzia de pessoas, e integradas por homens, mulheres e crianças de mais de uma geração”.

História 34 – “Far l´America” (2): O fim do tráfico de escravos e o início da imigração européia


A relação entre Lei Eusébio de Queiroz, que pôs fim a tráfico de escravos no Brasil e a Lei da Terra de 1850, que abriu campo para a chegada de imigrantes europeus na lavoura brasileira, é analisada por José Sacchetta Ramos Mendes (Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e Pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Discriminação e Racismo -LEER/USP) em artigo intitulado Desígnios da Lei de Terras: imigração, escravismo e propriedade fundiária no Brasil Império Desígnios da Lei de Terras: imigração, escravismo e propriedade fundiária no Brasil Império . A seguir, trechos da referida análise:

"As condições dos trabalhadores livres na cultura do café em meados do século XIX, ponto de inflexão do escravagismo no Brasil, estiveram amplamente relacionadas à estreita mobilidade social a eles relegada pela ordem jurídica do Segundo Reinado. Foi nesse sentido que se concebeu a principal legislação do período sobre ocupação do território, a Lei de Terras (Lei n. 601, de 18.09.1850), geradora de efeitos de longa duração para a propriedade fundiária e o povoamento do país.

A medida transformou as áreas devolutas em mercadoria comercializável pelo Estado. A obtenção de lotes agrícolas passava a se dar exclusivamente por meio de compra e venda, não mais por cessão gratuita em nome do sesmeiro ou do posseiro, como ocorria desde o tempo colonial. Já no artigo 1º, a Lei n. 601/1850 determinava: 'ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra'. No artigo 3º, inciso IV, definia: 'são terras devolutas: [...] as que não se acharem ocupadas por posse que, apesar de não se fundarem em título legal, foram legitimadas por esta lei'.

Consequência do dispositivo foi impedir a maioria dos lavradores de ter acesso à propriedade da terra. E como os que imigravam para o Brasil eram geralmente europeus empobrecidos e sem recursos, não tinham como adquirir um lote de maneira legal, tornando-se propensos a fornecer sua força de trabalho para a grande lavoura, até que acumulassem meios necessários à compra de um terreno agriculturável (Beiguelman, 2005). A nova legislação de terras sintetizava a diretriz restritiva, definidora do papel social do imigrante como mão-de-obra agrícola a se empregar nos latifúndios. Em paralelo à opção de continuísmo da escravidão, a permanente necessidade de novos suprimentos de braços para a cafeicultura levou à caracterização do trabalhador estrangeiro que se desejava atrair.

Na conjuntura brasileira, o movimento imigratório vivenciou na Lei de Terras uma guinada, a partir do que as cidades, em particular o Rio de Janeiro, ganharam nova importância como lugar de fixação de estrangeiros. O obstáculo imposto à aquisição de um lote para cultivar fez com que parte dos que aportavam de forma espontânea no Brasil desistissem de se dirigir para a agricultura e se voltassem, logo após o desembarque, para atividades urbanas, inversamente do que pretendeu o legislador.

Sublinhe-se que a Lei de Terras, de 18.09.1850, foi editada duas semanas após a Lei Eusébio de Queirós, de 04.09.1850, que fez cessar a importação de escravos da África. O fim do tráfico instaurou a crise definitiva no fornecimento de mão de obra para a lavoura, ao gerar uma ruptura que há muito se previa, mas que pouco se fizera para minorar consequências.

Alternativa imediata foi adquirir cativos em regiões de economia decadente do Nordeste e deslocá-los para o Centro-Sul, num movimento de dimensão controversa e resultados pouco lucrativos. Em todo caso, verificavam-se novos esforços por canalizar braços trabalhadores para as plantações de café. A imigração para o Brasil adentrava, assim, a perspectiva aberta com o fim do tráfico transatlântico de escravos, que liberou capitais depois aplicados noutras atividades, inclusive no financiamento da vinda de imigrantes. Por um tempo, o comércio interprovincial de escravos teria se beneficiado desses recursos. Mas a transformação da fazenda de café em unidade empresarial capitalista fazia do escravo um item mais custoso que o imigrante (Costa, 1999).

O emprego da mão de obra remunerada, por sua vez, barateava e racionalizava a manutenção da força de trabalho. A partir do Rio de Janeiro, diplomatas europeus ressaltavam a vantagem econômica do trabalhador livre empregado nas plantações: "Cada negro escravo custa hoje uma soma entre um conto e quinhentos réis e dois contos de réis.E quanto custa ao Brasil um colono português, dos quais uma boa parte se ocupa na agricultura, substituindo o trabalho dos negros? Custa o preço da passagem, ou R$ 120$000 [120 mil réis]", assinalou o Conde de Tomar (1859), encarregado de negócios de Portugal na capital brasileira, em carta endereçada a sua chancelaria em Lisboa.


Nova tentativa de atrair lavradores europeus para as fazendas de café em caráter sistemático só tomou impulso em 1871, quando a província de São Paulo estabeleceu políticas próprias para captação de imigrantes na Itália e Áustria-Hungria, com financiamento privado e estatal do transporte direto de colonos para o porto de Santos, e dali para o interior paulista".