domingo, 31 de janeiro de 2010

Italiniadade: a (re)descoberta das raízes italianas em Urussanga (SC)


Na Universidade Federal de Santa Catarina, uma recente tese do programa de pós-graduação (nível mestrado) mostra com muita clareza a origem e evolução da italianidade na cidade catarinense de Urussanga.

A autora da dissertação Construção da italianidade entre descendentes de imigrantes no município de Urussanga é Carla Nichele Serafim. A seguir, alguns trecho da sua pesquisa.



“A primeira sede do Sul de Santa Catarina habitada por colonos italianos, chegados da Itália no dia 26 de abril de 1877 foi Azambuja e, posteriormente, Urussanga. Famílias compostas e desmembradas, com homens, mulheres e crianças provindas da Região de Vêneto, em Belluno - incluindo da Feltre, da Cadore e Longarone - formaram a colônia de Urussanga”.

 A partir dessa consideração, a autora mergulha na historiografia da diáspora italiana em terras catarinense numa viagem cheia de descobertas percorrendo um alongo arco de tempo até chegar ao século XXI, onde ainda pulsa italinidade latente nas veias de muitos cidadãos e cidadã de Urussanga.

 "(...) O contato por cartas do prefeito de Urussanga com autoridades do município de Longarone, cidade de onde vieram alguns dos imigrantes italianos estabelecidos no início da colonização de Urussanga, facilitou a vinda dessas autoridades para a localidade em 1988, impulsionando um grupo de descendentes de imigrantes italianos a viajarem para a região Norte da Itália em 1989, com o intuito de conhecer e recuperar a história de seus antepassados.

Essa viagem gerou afinidades entre os descendentes daqui e os italianos de lá, mas também frustração por parte de algumas pessoas que não foram bem recebidas por seus parentes. No final de 1988, o prefeito de Erto-Casso e o secretário do prefeito de Longarone, foram para Urussanga conhecer o bairro de maior expressividade italiana do município, a localidade de Rio Maior.


Segundo relatos de informantes da pesquisa, os visitantes alongaram seu trajeto para a sede do mesmo e para as demais regiões de colonização italiana do Sul de Santa Catarina, dentre elas São Joaquim, Frei Rogério, Friburgo, Úbera, indo também à Argentina. Desta visita, surgiu o convite de criarem laços políticos, culturais e econômicos entre Urussanga e Longarone, laços esses denominados de Gemellaggio”. (...)No dia 26 de maio de 1992 foi concluído o Gemellaggio em Urussanga, projetando o Município nacional e internacionalmente, com a finalidade de enriquecer os valores da tradição italiana e consolidar a integração dos italianos.

Para a Itália, o interesse no Gemellaggio estava na oferta de mão-de-obra barata e qualificada para os descendentes de italianos trabalharem nas empresas italianas, além da divulgação da língua oficial, conjuntamente a uma afirmação da identidade italiana entre os descendentes. Do mesmo modo, alguns(mas) italianos(as) vêm para Urussanga e ficaram/ficam hospedados(as) nas casas de descendentes residentes em Urussanga, Criciúma e região”

História 51 - "Far l'America (19)": breve desrição sobre áreas de destino dos imigrantes italianos

No site dedicado à imigração italiana (por ocasião dos 500 anos do Descobrimento do Brasil), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aborda de maneira resumida a questão do destino dos imigrantes. Eis o texto:

"O destino dos imigrantes no período da imigração subvencionada foram as fazendas de café de São Paulo e os núcleos de colonização, principalmente os oficiais, localizados no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo.

Afora desses dois objetivos, uma terceira parte de imigrantes localizou-se nas cidades, como o Rio de Janeiro e São Paulo, adensadas por indivíduos que abandonavam o campo, reemigravam de outros países ou mesmo burlavam a vigilância, não seguindo para o interior.

 Fazendas de café - relação de trabalho

A grande massa de italianos que se tornava colono ou empregado de uma fazenda de café trabalhava em condições muito duras, tendo pequenas oportunidades de acumular algum capital. Eram proporcionalmente poucos os que realizavam o sonho da compra de uma pequena propriedade e quando o faziam, não se tratava de propriedades de grande valor.

As famílias de imigrantes que chegavam nas fazendas de café se submetiam a um contrato de trabalho segundo o qual todos, inclusive mulheres e crianças, deviam trabalhar. O contrato determinava, ainda, que cada família cuidaria de um número determinado de pés de café, recebendo por cada mil pés uma certa quantia em dinheiro.

Além disso, o contrato lhes dava direito à casa e quintal, podendo criar animais, fazer horta e plantar milho e feijão entre as fileiras do cafezal que estivessem a seu cuidado. Raramente, no entando, podiam dispor de excedente dessa produção para comecializar. Núcleos de colonização As condições de vida enfrentadas pelos imigrantes que chegavam nos núcelos de colonização, ou colônias de povoamento, também não foram fáceis.

Os italianos chegaram ao sul do país após os alemães e, por esta razão, os núcleos coloniais para onde foram encaminhados estavam mais distantes das regiões já habitadas, situando-se em áreas pouco férteis, além de desprovidas de meios de comunicação, necessários para o escoamento de produtos ou para a maior integração com o resto do país. Além dessas dificuldades, não havia qualquer tipo de assistência médica ou religiosa. Nestas condições tão adversas, não eram incomuns os casos de abandono do lote por moradores que, após mais de dez anos, quase nada possuíam e, ainda, deviam ao governo e a comerciantes do local. Sucessos e fracassos dos núcleos italianos de povoamento

  Rio Grande do Sul

O sucesso das colônias aí criadas, foi desigual: houve casos de colônias bem sucedidas, como as que originaram as cidades de Bento Gonçalves, Garibaldi e Caxias, e exemplos de fracasso, como o de Silveira Martins.

 Santa Catarina

Os colonos italianos tiveram que se dirigir para as colônias alemães estabelecidas anteriormente, onde foram discriminados e explorados.

Paraná

Aas colônias próximas a Curitiba foram bem sucedidas, quer porque ali houve como escoar uma produção de alimentos, quer porque foi possível trabalhar na construção de ferrovias (Paranaguá - Curitiba e Curitiba - Ponta Grossa). - Minas Gerais: prosperaram, principalmente, as colônias estabelecidas próximas a cidades e voltadas para fornecimento de trabalhadores para obras públicas. Este foi o caso de Barreiros, Carlos Prates e Américo Werneck, criadas em 1896 nos arrebaldes da nova capital (Belo Horizonte).

Espírito Santo

Hhouve forte presença do imigrante italiano de 1870 até 1920. Na colônia de Demétrio Ribeiro, os lotes foram demarcados em terra fértil e a iniciativa prosperou".

História 50 - "Far l'America (18)": imigração italiana no Brasil a partir das regiões de origens

O Instituto Brasileiro de Geográfica e Estatística  (IBGE) preparou em 2000, por conta da celebração dos 500 anos da Descoberta do Brasil, um breve site sobre a imigração italiana no país. Nele encontramos uma tabela referente ao números de italianos que entraram no Brasil de acordo com a região de proveniência.

"Os primeiros imigrantes a deixarem a Itália na época da "grande imigração" (1870-1920), foram sobretudo os vênetos, cerca de 30% do total, seguidos dos habitantes de Campânia, Calábria e Lombardia. Esse primeiro grupo foi sucedido por emigrantes da região sul. - Se os vênetos eram mais loiros do que a maioria dos italianos, eram pequenos proprietários, arrendatários ou meeiros, para quem a possibilidade do acesso à terra era um estímulo decisivo para o empreendimento da arriscada viagem; os imigrantes do sul eram morenos, mais pobres e rústicos, geralmente camponeses que não dispunham de nenhuma economia e eram chamados de braccianti".


Imigração italiana no Brasil 
Regiões de procedência  1876-1920 
(fonte IBGE)
 

História 49 - "Far l' America (17)": quantificação da diáspora em relação aos países receptores

o reelaborar os dados do Istituto Nazionale di Statistica, Gianfausto Rosoli, em seu livro "Un secolo di emigrazione italiana 1876-1976" (Roma, Cser, 1978) mostra os números da diáspora italianos levando em conta o destino de quem deixou o Reino da Itália e, posterioremnte a República italiana entre 1876 e 1976.

Destino Europa 





Destino Américas

História 48 - "Far l´America" (16):os números da diáspora 'oltreoceano'

No livro "Un secolo di emigrazione italiana 1876-1976" (Roma, Cser, 1978), Gianfausto Rosoli reelabora dados do Istat, que na Itália tem o mesmo papel e impotarância do IBGE no Brasil. Na quantificação daqueles que se lançaram na aventura do êxodo "oltreoceano", Rosoli apresenta uma levantamento por Regiões dividido em dois períodos: 1876-1900 e 1901-1915, ou seja um arco de tempo que vai da Itália pós-unificação até os primeiros momentos da Primeira Guerra Mundial. Eis os números apresentados por Gianfausto Rosoli.

A DIÁSPORA NO PERÍODO 1876 -1900



A DIÁSPORA NO PERÍODO 1901-1915

Oriundi: Valentin Tramontina, o ferreiro empreendedor e a formação de um grande grupo

Dentre tantas histórias da italianidade na serra gaúcha, uma que sem dúvida merece destaque é a trajetória da família Tramontina, hoje sinônimo de cutelaria de alta qualidade. A trajetória de sucesso dos Tramontina tem início em 1911.

Valentin Tramontina, filho de imigrantes italianos (região de Maniago, Friuli-Venezia Giulia, província de Pordenone - local de fabricação de facas e canivetes), morava em Santa Bárbara, região de Bento Gonçalves. Lá viviam da fabricação de ferramentas agrícolas.



Com a chegada da ferrovia, Valentim decide dar novo rumo á sua vida e migra para Carlos Barbosa, que à época não passava de uma vila. Ali monta uma pequena ferraria, esperando ser impulsionado pela dinâmica da ferrovia.



Em 1919, Valentim dá um passo adiante e compra um terreno de 300 m2 na Rua Amapá, construindo um prédio de madeira para abrigar o seu negócio . Trabalhava com ele o irmão Luiz .

Até 1930, a produção da ferraria era modesta. Valentin prestava serviços a empresas, entre elas, Arthur Renner, proprietário de uma refinaria de banha; fazia conserto em indústrias locais, ferrava cavalos e fabricava canivetes.

Em 1932, Valentin agrega os primeiros colaboradores. São pessoas que residem na vila, trabalham na agricultura em tempo parcial e começam a fazer facas e canivetes nos porões de suas casas. Valentin Tramontina, nascido em 1893, falece com 46 anos de idade, no ano de 1939.

A partir daí, assume a ferraria, dona Elisa Tramontina, esposa de Valentin, que desponta como uma empreendedora nata e arrojada. Ela é quem embarca no trem da estação da vila de Carlos Barbosa e vai vender a produção nos mercados regionais e na capital do Estado. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), caso não existisse a determinação e a coragem de Elisa, a ferraria teria sucumbido.

O ano de 1949 pode ser considerado um marco na história do Grupo. Trata-se da data em que Ruy José Scomazzon, barbosense de 20 anos, amigo de Ivo Tramontina, cursando a Faculdade de Ciências Econômicas da PUC – Porto Alegre, começa a prestar assessoria à Tramontina. Ruy, com espírito de liderança, implanta planos ambiciosos, enfatizando a organização em todos os setores. Inaugura-se uma nova etapa. O caráter artesanal dá lugar a uma produção manufatureira. Na década de 50, a empresa contava com 30 empregados e alguns representantes comissionados espalhados pelo Estado. Os canivetes representavam 90 por cento do faturamento.

Vem da Itália a tradição de ter no bolso um canivete, cuja denominação é "brítola". Trata-se de um canivete com formato de pequena foice utilizado principalmente na poda da parreira, para cortar vime. A Tramontina sempre se destacou na fabricação deste canivete. A empresa se capitaliza rapidamente, com inovações tecnológicas: laminadores, marteletes, máquinas de esmerilhar e forjar, que dinamizam a produção em série. Com a presença do governador Ildo Meneghetti, em dezembro de 1956, foi inaugurada a ampliação das instalações da empresa e o novo escritório. Intensifica-se a produção de facas e ferramentas agrícolas.

O ano de 1958 marca a fundação da Metalúrgica Forjasul, em Porto Alegre, e posteriormente transferida para Canoas. Em 1961 falece a grande baluarte Elisa Tramontina. As décadas de 60 e 70 são marcadas pela instalação de empresas do Grupo em Garibaldi, Farroupilha e na Bahia, e também pela admissão de novos empregados. Houve um salto gigantesco. Dos 30 empregados existentes em 1950, a empresa passou a ter em seu quadro 557 funcionários no final dos anos 60.

Hoje o Grupo emprega quase 6.000 pessoas, exporta para mais de 100 países e é uma marca conhecida no mundo inteiro. Nas suas diversas unidades produz mais de 17 mil itens. A década de 80 foi de um enorme crescimento para empresa, tanto no mercado interno como externo, onde em 1986 inaugurou uma subsidiária na cidade de Houston no Texas. Nos anos seguintes a  Tramontina tornou definitivamente um gigante em seu setor, ampliando ainda mais sua linha de produtos e ingressando em muitos mercados mundiais como a Alemanha (1993), Chile (2000), Dubai (2004) e Peru (2005).

Neste novo milênio a Tramontina também decidiu que tinha chegado a hora de ir além da cozinha. A ordem partiu de Clóvis Tramontina neto de Valentim e principal responsável pelas maiores mudanças da empresa nos últimos anos. A grande tacada do empresário foi aproveitar uma simples fábrica de cabos de madeira que revestem talheres para ingressar no mercado de móveis.

Exporta com marca própria para mais de 120 países. Atualmente o grupo é formado por 10 unidades industriais (sendo oito no Estado do Rio Grande do Sul, uma em Belém, no Estado do Pará, e outra em Recife, no Estado de Pernambuco) que produzem mensalmente quatro milhões de facas, 21.5 milhões de talheres para uso diário, quatro milhões de talheres finos e econômicos, 800 mil chaves de fenda, 260 mil martelos, 200 mil enxadas, 20 mil pias e 35 mil cubas, 300 mil cadeiras e mesas plásticas, 20 mil mesas e cadeiras de madeira, 66 mil prateleiras, 15 mil cortadores e aparadores de grama e 200 mil panelas de aço inox.

sábado, 30 de janeiro de 2010

História 47 – "Far l´America (15)": aspectos da colonização italiana no Rio Grande do Sul

Em 2005 um outro pesquisador brasileiro lançava novos olhares sobre a imigração italiana nas terras gaúchas. Trata-se de Mário Maestri, autor do livro "Os Senhores da Serra - A colonização italiana no Rio Grande do Sul (1875-1914)".

Mário Maestri estudou história no RS, na UFRGS, no Chile, como refugiado político, de 1971 a 1973, no Instituto Pedagogico da Universidade de Chile. Após o golpe de 11 de setembro de 1973, transferiu-se para a Bélgica, onde se graduou e pós-graduou em Ciências Históricas, no Centre de Histoire de l'Afrique da Université Catholique de Louvain, defendendo dissertação de mestrado sobre a África negra pré-colonial, e tese de doutoramento sobre a escravidão no Rio Grande do Sul. De volta ao Brasil lecionou, entre outras instituições, no programa de pós-graduação em História da UFRJ e da PUC-RS. É atualmente professor do programa de pós-graduação em História da Universidade de Passo Fundo, onde orienta trabalhos de pós-graduação em História, sobretudo sobre a história da escravidão colonial, da imigração colonial-camponesa, da economia pastoril e da arquitetura.


Pedro Paulo Funari, do Departamento de História da Unicamp comenta a obra no site  Espaço Acadêmico (na foto um casamento na colônia).

“Maestri explora os dois contextos que explicam o movimento migratório, no Brasil escravista e na Itália em mudança econômica e social, com a exploração dos camponeses. No Brasil, os imigrantes, à diferença da Itália, podiam ser senhores de si. A imigração foi ideada e implantada, a partir do êxito dos colonos germânicos, desde 1824, em um Estado escravista arcaico. A imigração, nos primeiros cinqüenta anos, deu-se por decisão imperial, com oposição dos escravistas nacionais e locais.

O projeto colonizador foi a única desconcentração efetiva da estrutura fundiária no Rio Grande do Sul. De 1875 a 1914, 80 mil imigrantes deixaram o Vêneto (54%), a Lombardia (33%) e outras áreas ao norte da península itálica, para instalar-se no Rio Grande do Sul. A travessia transatlântica deixara de ser incerta, ainda que as doenças infecciosas vitimassem muitos imigrantes no meio do caminho.

A grande maioria dos imigrantes era analfabeta, dominando apenas o dialeto local, com parcos conhecimentos, se tanto, do italiano. No ambiente colonial brasileiro, formaram-se koinés coloniais, organizando léxicos itálicos com a dominância de sintaxe portuguesa”.

“A viagem até a Serra Gaúcha era lenta e penosa, mas a abundância de carne chamava a atenção dos recém chegados. Ingressavam em um ambiente de infra-estrutura e recursos arcaicos, próprios do escravismo. Maestri mostra como as soluções arquitetônicas dos colonos diferenciavam-se das originárias na Itália, tanto no âmbito das casas, como das igrejas, e como o patriarcalismo predominava, com a submissão e super-exploração das mulheres e crianças. O patriarcado colonial predominava e marcava uma sociedade que favorecia o despotismo.

Ante a tecnologia escravista local, os italianos lembravam-se, com saudades da tecnologia medieval, muito mais moderna, de sua terra natal, a mostrar o caráter escravista e patriarcal da sociedade brasileira. Isso ficava claro na mortalidade infantil, aqui de 250 por mil, ante 150 por mil na pobre Itália de origem”.

“O livro de Maestri lança um olhar original sobre um tema de crescente interesse, ao mostrar que predominaram os conflitos e contradições, tanto no âmbito das classes sociais, como no interior desses segmentos, com destaque para as assimetrias nas relações de gênero. Ressalta como o contexto brasileiro, patriarcal e escravista, conformou uma sociabilidade própria, distante do verniz capitalista que, no Rio de Janeiro ou em Porto Alegre, poderia passar a falsa impressão de uma vida burguesa inexistente, em ambiente escravista e patriarcal. Maestri desmistifica as imagens que enfatizam a homogeneidade da sociedade colonial dos imigrantes, ao mostrar sua diversidade, de falares, de relações de gênero, de comportamentos quotidianos, na vida pública e privada, civil e religiosa”.