Antônio da Silva Câmara, pofessor da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Doutor em Sociologia pela Universidade de Paris VII, com pós-doutorado pelo Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), França é autor do trabalhoMAZZAROPI E A REPRODUÇÃO DA VIDA RURAL NO CINEMA BRASILEIRO .
Uma das abordagens feitas pelo acadêmico brasileiro passa pela análise da crítica à obra de Mazzaropi.
"O cinema de Mazzaropi realizado nas décadas de 1950 e 1960
encontrou, por parte dos críticos de cinema, após breve acolhida positiva,
bastante resistência. O Brasil que os intelectuais esperavam coincidia com a
ideologia desenvolvimentista: um país que rapidamente se industrializava,
aproximando-se da modernidade dos países desenvolvidos".
"O discurso
político vigente na segunda metade da década de 50 manifestava-se no slogan
de JK, com a promessa de cinqüenta anos de desenvolvimento que seriam
cumpridos em apenas uma gestão presidencial. Por outro lado, esta
modernização identificava-se com a urbanização acelerada e uma pretensa
mudança dos hábitos da população brasileira, vista agora como citadina,
moderna, democrática. A idéia de modernização também estava presente
nas concepções à esquerda que apoiavam a existência de um forte movimento
camponês – as Ligas Camponesas (1954-1964) – que deveria representar a
mudança dos padrões arcaicos de posse e uso da terra".
"Logo, admitia-se a
existência do camponês, mas apenas enquanto sujeito ativo da moderna
história brasileira: revolucionário, anti-latifundista, com um programa de
luta popular e democrático
Neste período, os intelectuais de esquerda
identificavam-se com as diretrizes do Partido Comunista, forte aliado do
desenvolvimentismo e do populismo. O golpe de Estado de 1964 impôs
a derrota à democracia populista, ao movimento camponês e aos partidos
de esquerda, sem, no entanto, abandonar o percurso desenvolvimentista:
os militares retomaram os planos de crescimento econômico que
caracterizaram a era JK e implantaram projetos de industrialização e
urbanização".
"O Estado continuou a cultivar a imagem de um país moderno
e urbano, ainda que saibamos que os latifundiários – do Norte ao Sul –
sustentavam o regime. Aliás, na década de 1970, a ideologia do
desenvolvimento é de tal forma dominante que deu origem, nas
Universidades, a uma série de estudos sobre a penetração do capitalismo, privilegiando as grandes inversões de capital na nova indústria
rural e o processo de proletarização camponesa".
"Neste contexto, a crítica cinematográfica continuou oscilando entre o
desenvolvimentismo e o stalinismo. Poucos críticos de cinema escaparam desta
armadilha. Foram incapazes de analisar as produções cinematográficas sob o
ângulo artístico e o da contribuição que estas aportavam para a compreensão
do modo de vida da população brasileira e, dessa forma, de afastar-se da
ótica daqueles que viam as manifestações culturais a partir de suas próprias
aspirações políticas e sociais, "
"O cinema de Mazzaropi conseguiu impor-se durante duas décadas,
graças à ampla aceitação e reconhecimento conquistado junto ao público,
revelando o lado não revolucionário do camponês brasileiro, particularmente
daquele que habitava o interior do Sudeste, os seus hábitos conservadores,
mas também a sua sabedoria e capacidade de enfrentar o mundo urbano
através de um comportamento esquivo e dissimulado".
Antônio da Silva Câmara cita uma série de artigos publicados em grandes jornais classificando o cinema de Mazzaropi como algo desprovido de valor ou como chegou a escrever Inácio de Loyola Brandão, algo vulgar e imbecil. "Nosso povo vive dentro de um estágio cultural condicionado pelo
subdesenvolvimento. Sob tal condição, é natural que a exaltação da
mediocridade vingue. Compreende-se que o homem do povo aceite, até
por desfastio, o cinema banal, vulgar, incipiente, imbecil. Falta-lhe, além
de um gosto apurado, a oportunidade de conhecer obras superiores.
Todavia, quando um homem tido como de cultura, tendo em suas mãos
um instrumento de divulgação, senta-se numa poltrona de cinema e
aprecia o vulgarismo, a imbecilidade, o primarismo (e ainda recomenda
como de alto teor), então, é a mediocridade, é o andar para trás.
Neste caso, ele se emparelha àquele que, na tela, vende por baixo preço,
a cretinice".
Ainda hoje, o preconceito ronda a cinematrografia de Mazzaropi. Mas há vozes que procuram resgatar o valor de sua obra como mostra o professor Antônio Câmara. Ele cita reportagem de Maria da Glória Lopes, do jornal da Folha de S.Paulo, que nos anos 90 comentava o Festival Mazzaropi exibido pela TV Cultura.
" 'Esta é uma oportunidade para reavaliarmos o trabalho de Mazzaropi,
todo ele muito bom do ponto de vista cinematográfico', diz o
apresentador do programa e crítico de cinema Luciano Ramos. 'O
primeiro filme do Festival, Sai da Frente, é uma comédia avançada para a
época e, na minha opinião, a primeira na história do cinema nacional.
Até então, as comédias eram pantomimas que os atores faziam em
frente à câmera. E Sai da Frente não é uma história e sim fragmentos de
várias, uma associação de quadros que lembram muito as comédias que
viriam nos anos 60'.
A autora completa o seu artigo afirmando:
'E o sucesso não só se explica porque os filmes são muito bons. Mas a
melhor explicação para o fenômeno Mazzaropi foi dada pelo escritor
Inácio Araújo. “A crítica nunca esteve com ele porque Jeca representa o
Brasil subdesenvolvido, analfabeto, que ela não quer ver. Para o público,
ele representa a vingança dessa massa de migrantes que vem do campo e
se defronta com os códigos da cidade grande. É a malícia do campo contra
a malícia da cidade. E a primeira ganha' ”
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