domingo, 26 de dezembro de 2010

Italianitá– O jeito de ser italiano na literatura do modernismo brasileiro:as sátiras de Juó Bananére (4)


Bilac de armadura em ilustração de Voltolino
Em 1915, o poeta Olavo Biliac fazia uma visita a São Paulo no boljo da Campanha Civilista (iniciada por Rui Barbosa em 1910 opondo-se à candidatura presidencial do marechal Hermes da Fonseca) . As páginas da revista “O Pirralho” apoiavam os civilistas. Mas o cronista Juó Banaére, pseudônimo do poeta e jornalista Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, não poupava críticas irônicas a Bilac e, por ocasião da visita do “Príncipe dos poetas brasileiros” a São Paulo, publicava o artigo “O NAZIONALZIMO - A migna visita na Cademia di Cumerço du Braiz”. 

Após a publicação das críticas Bilac, Bananére deixaria de fazer do quando de cronista de “O Pirralho”, conforme anunciava a  própria revista  na edição seguinte: "Deixou de fazer parte desta revista o talentoso moço Alexandre Marcondes Machado, que sob o interessante pseudônimo de Juó de Bananére vinha ha muitos annos com as suas magníficas “Cartas d’Abaxo O´Piques” desopilando o fígado dos nossos leitores. Ao optimo companheiro os nossos agradecimentos com os melhores votos de felicidade".
Elias Thomé Saliba (Departamento. de História – USP), em artigo publicado na Revista de História ( n.137, São Paulo, dez. 1997) relembra e comenta esse episódio:

“Contra a maré de elogios e saudações públicas ao "príncipe dos poetas brasileiros", Juó Bananére escreveu uma impertinente paródia da presença de Olavo Bilac em São Paulo e, sobretudo, da famosa oração que o poeta pronunciou aos estudantes da Faculdade de Direito. Esta paródia foi publicada, um dia depois da festiva aparição de Bilac na Faculdade de Direito, na coluna de Bananére, em O Pirralho.
Bananére começa com uma notícia triunfal:‘A vesta do Bilacco - Quartaferra teve a nunciada visita du Bilacco, principe dus poeta brasileiro, o Dante nazionalo! Uh! Mamma mia, che sucesso! O saló stava xíinho di gente pindurado. Gada lustro apparicia un gaxo de banana di gente. Bilacco disse moltos suneto gotuba

.O problema é que a paródia envereda depois por lances mais delicados, por exemplo, quando o próprio Bananére se compara a Bilac: ‘Nom é só o Bilacco que é uleomo de lettera -(ío) també scrivo verso, ió també scrivo livro di poesies chi o Xiquigno vai inditá, i chi undia va vê si nom é migliore dus livros du Bilacco... ‘

Em seguida, o próprio Bananére aparece como convidado para uma ‘circunferenza na Gademia di Commerco du Braiz’; seu discurso, inteirinho em macarrônico, é uma paródia absolutamente anárquica da fala nacionalista de Bilac: 

‘Signori! Io stó intirigno impegnorato con ista magnifica rocepicó chi vuceio acaba di afazê inzima di mim. É moltas onra p'un pobri marqueiz! (tutto munnno grita: nó apuiado!) Io ê di si ricordá internamente, i con molta ingratidó distu die di oggi! I aóra mi permitano che io parli un pocco da golonia italiana in Zan Baolo, istu pidaçó du goraçó da Intalia, atirado porca sorte inzima distas praga merigana. É una golonia ingolossale! Maise di mezzo milió di italiano stó ajugado aqui, du Braiz, ó Buó Rittiro, i du Billezigno ó Bizigue! I chi faiz istu mundo di intaliano chi non toma gonta du Cumerçu, das Fabrica, da pullitica, du guvernimo - i non botta u Duche dus Abruzzo come prisidenti du Stá nu lugáro du Rodrigo Arveros?’

Finalmente, Bananére conclui sua arenga anárquica, parodiando a célebre retórica de Bilac. (Lembre-se, aqui, dos famosos reptos do discurso de Bilac, por exemplo, quando dizia: "O que se tem feito, o que se está fazendo, para a definitiva constituição da nacionalidade?"). Eis Bananére: 

‘I quali é consequenza diste relaxamento? É qui os intaliano aqui non manda nada quano puteva inveiz aguverná ista porcheria! Quale é a consequenza da bidicaçó da nostra forza i du nostro nacionalismo? É chi nasce una crianza, a máia é intaliana, o páio é intaliano e illo nasce é un gara di braziliano! Istu no podi ingontinuá, no! A voiz chi sono giovani i forte cumpette afazê a reaccó, cumbattê, vencê e dinuminá istu tudo! Tegno dito" - Rompi una brutta sarva di parma. Mi begiário, mi giugáro flor e mi liváro incarregado até o bondi inlétrico" (O Pirralho, 1915, p.9)’. 

Mas, na realidade não houve nem beijos nem abraços triunfais, pois a cidade e sua jovem elite intelectual, parece, não estavam para brincadeiras. Os estudantes da Faculdade de Direito, no dia seguinte dirigiram-se afoitos, em magotes, para uma manifestação em frente a redação d'O Pirralho - que então se localizava na rua XV de novembro, exigindo a demissão do jornalista e ameaçando empastelar o jornal. Bananére é então demitido, perdendo o seu lugar de "barbieri e giurnaliste" na sua famosa coluna "Diário do Abaixo Piques" (O Estado de São Paulo, 1915, p.7). Parecia claro que, à parte as desavenças pessoais que ajudavam a fermentar o conflito, o anarquismo lingüístico de Juó Bananére não se enquadrava facilmente em fórmulas e manifestos, que pediam um mínimo de clareza, renunciando a qualquer tipo de ambigüidade.O episódio é muito revelador dos compromissos que a jovem intelligentsia de São Paulo tinha com aquele nacionalismo algo difuso mas, que se nutria de uma única certeza: sua raiz paulista, ávida por construir e reforçar uma hegemonia e, se possível, estendê-la ao campo das letras e da cultura. 

Após a saída de O Pirralho, o cronista macarrônico chegou a escrever, a partir de 1916, muito esporadicamente nas revistas semanais O Queixoso e A Vespa. Na primeira, Marcondes Machado comparece com uma coluna intitulada "Sempr'avanti! - e na segunda revista, com a sua coluna "Cartas d'Abax'o Piques." Mas será em "O Queixoso", no final do ano de 1916, que Bananére irá detonar seu segundo desentendimento com o então jovem estreante nas letras, Oswald de Andrade”.

sábado, 25 de dezembro de 2010

História (227) - "Far l´America (132 )": Imigração e o desenvolvimento das colônias na Serra Gaúcha

“Uma gama de legislações, Provincial e Imperial, regulava a colonização das terras desocupadas, criando uma administração central em cada colônia. Um corpo funcional foi designado para a administração dos projetos de colonização e urbanização das áreas antes devolutas. A localização desta sede era escolhida em um lugar conveniente, que posteriormente se transformaria no centro do município. As primeiras instalações destas sedes (havia uma para cada uma das quatro colônias italianas) foram a casa da Comissão de Terras e Colonização, o Barracão para receber os imigrantes, um depósito de materiais e almoxarifado, o cemitério e as residências dos funcionários do governo. Posteriormente eram construídas uma igreja e uma escola (MACHADO e HERÉDIA, 2003). Logo estes núcleos foram sendo ampliados com a construção de mais moradias para os imigrantes que não se adequavam ou não queriam se dedicar às atividades agrícolas,surgindo assim os primeiros estabelecimentos de serviços, como oficinas, funilarias, botequins, casas de negócios etc.

Machado e Herédia (2003) apontam que no final do século XIX, toda a região dava sinais de prosperidade. Muitas pequenas indústrias já tinham sido instaladas. Em Caxias havia 65 moinhos, 41 serrarias, 35 alambiques, 27 ferrarias, 17 engenhos de cana, 9 curtumes, duasfunilarias, além de um sem números de outros estabelecimentos. Como resultado do crescimento econômico que as colônias vinham alcançando, em 1884 foram emancipadas as colônias de Caxias, Dona Isabel e Conde D’Eu, passando à condição de distritos. Apenas seis anos depois, em 1890, foi criado o município de Caxias, tendo por sede

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

História (226) – “Far l’America” (131): Vitivinicultura em Caxias do Sul nos primeiros tempos da grande imigração


Um relato do trabalho dos imigrantes italianos nas férteis terra da Serra Gaúcha pode ser conferido no texto de   de Cláudio Vinícius Silva Farias, do Programa de Pós-Graduação em Economia, Universidade do Vale do Sinos – UNISINOS. O título do artigo é “A indústria vitivinícola e o desenvolvimento regional no RS: uma abordagem neoinstitucionalista da imigração italiana aos dias atuais".


“Os primeiros colonos trouxeram consigo mudas de novas variedades de uvas, auxiliando no aperfeiçoamento da qualidade do vinho produzido na região.Passados as duas primeiras safras, que garantiram a subsistência dos colonos, começaram a surgir os primeiros excedentes dos produtos agrícolas e agroindustriais (ainda que de forma rudimentar), dando início a um comércio inter-regional e, logo a seguir, estadual e nacional, a despeito de todas as dificuldades logísticas existentes à época. 

Além dos produtos agrícolas tradicionais da subsistência colonial (milho, batata, trigo, arroz e feijão), as plantações de uvas se adaptaram muito bem ao clima (principalmente as do tipo Isabel), gerando os maiores excedentes entre os produtos da região. 

Em 1883, o cônsul italiano em Porto Alegre relatou: “a videira cresce de modo surpreendente. Já no segundo ano dá uva e no terceiro a colheita é abundante. Segundo afirmações de muitos colonos, foi precisamente esta riqueza agrícola que reteve os nossos imigrantes. Em Conde D’Eu produziu-se em 1881 aproximadamente 5.000 hectolitros de vinho. No presente ano espera-se obter o triplo” (COSTA et al, 1999)”.


quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Italianitá– O jeito de ser italiano na literatura do modernismo brasileiro:as sátiras de Juó Bananére (3)


Os textos no dialeto macarrônico criado por Juó Bananére (pseudônimo de Alexandre Marcondes Machado) ganharam fama na revista O Pirralho, a partir de 1911. Posteriormente foram reunidos no livro La Divina Increnca, cuja primeira edição data de 1924  (Irmãos Marrano, Editores).

O poema Migna Terra, por exemplo, brinca,  no macarronês de Bananére, com o famoso poema Canção do Exíio do poeta romântico Gonçalves Dias.



MIGNA TERRA  
(Juó Bananére)
Migna terra tê parmeras,
Che ganta inzima o sabiá,
As aves che stó aqui,
Tambê tuttos sabi gorgeá.
A abobora celestia tambê,
Chi tê lá na mia terra,
Tê moltos millió di strella
Chi non tê na Ingraterra.
Os rios lá sô maise grandi
Dus rio di tuttas naçó;
I os matto si perdi di vista,
Nu meio da imensidó.
Na migna terra tê parmeras,
Dove ganta a galligna dangolla;
Na migna terra tê o Vapr’elli,
Chi só anda di gartolla.

Canção do Exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
 

Análise acadêmica
No site da Unicamp, uma das mais renomadas Universidades do Brasil, Cesar Augusto de Oliveira Casella analisa o poema Migna Terra no texto “La Divina Insgugliambaçó ou ‘como se lê um poema em português macarrônico

“Migna Terra’ não é apenas uma paródia cômica do poema de Gonçalves Dias, mas um canto paralelo, pois ao mesmo tempo em que ironiza seus aspectos ufanistas e patrioteiros, presentifica o tema, atualizando-o para uma nova situação. Através do conflito operativo de dois idiomas, o italiano e o português, e sua resultante na invenção de uma nova linguagem, traz à tona um momento histórico diverso daquele cantado pelo poema romântico”, analisa Cristiana Fonseca. Além deste aspecto histórico e social, e para além também do aspecto literário e estético, podemos trabalhar o imbróglio de idiomas de que se serve o autor. A oralidade subjacente à escrita de Juó é evidente. Pode-se ouvir um imigrante italiano que veio, ignorante e esperançoso, trabalhar braçalmente no Brasil, ou melhor, nas lavouras de café do interior paulista, território bem conhecido pelo engenheiro Alexandre Machado, e que por um motivo ou outro, acabou encravado em um bairro de imigração italiana na cidade de São Paulo.

Temos a mistura explicita e gráfica dos idiomas em galligna, em dove, em tuttas, em moltos. Temos índices da suposta ignorância, atribuída aos imigrantes ítalo-paulistanos, em abobora celestia substituindo abobada celestial, em maise grandi no lugar de maior. Temos aspectos ligados a sonoridade em abobora, que não possui o acento para que haja uma maior aproximação com o idioma italiano, em tê e em tambê, quando o final é alterado para se aproximar foneticamente do linguajar italianado”.  

Italaini - Ottone Zorlini: arte e polêmica


Autor do polêmico monumento Travessia do Atlântico, Ottone Zorlini (Treviso Itália 1891 - São Paulo SP 1967) é assim descrito no verbete da  Enciclopédia Itaú Cultural

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“Pintor, escultor, desenhista e ceramista. Inicia sua trajetória profissional, aos 13 anos de idade, quando começa a trabalhar em uma fábrica de cerâmica. Muda-se para Veneza, onde em 1906, cursa a Academia de Belas-Artes e freqüenta os ateliês do escultor Umberto Feltrin e do ceramista Cacciapuoti. Nessa cidade, executa retratos e monumentos funerários, por volta de 1919. Em 1927, vem para o Brasil, onde realiza o Monumento aos Heróis da Travessia do Atlântico no ano seguinte. Passa a conviver com os pintores Mario Zanini, Francisco Rebolo e Alfredo Volpi, integrantes do Grupo Santa Helena, em São Paulo

Com esses artistas, viaja constantemente pelos arredores do litoral paulista, entre 1936 a 1943. Além dessas atividades, participa da formação do Sindicato dos Artistas Plásticos de São Paulo. De 1959 a 1963 dedica-se a escultura elaborando bustos e obras fúnebres”.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Cultura - A polêmica escultura da Travessia do Atlântico (3)


Após 25 anos, o  monumento Heróis da  Travessia do Atlântico, neste mês de dezembrro de 2010, voltou para seu lugar de origem: as margens da Represa de Guarapiranga (Zona Sul da Cidade de São Paulo) Obra do escultor ítalo-brasileiro Ottone Zorlini foi inaugurada em 1929, por iniciativa da Sociedade Dante Alighieri, como homenagem aos aviadores italianos Francesco De Pinedo e Carlo Del Prete, que dois anos antes (mas já cinco anos depois dos portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral), a bordo do Savoia-Marchetti S.55, haviam feito uma das travessias aéreas pioneiras do Atlântico Sul, bem como ao brasileiro João Ribeiro de Barros, que, pouco tempo depois, ainda no ano de 1927, realizou a mesma façanha, a bordo do hidroavião Jahú.
Os mais jovens talvez não saibam que a obra de arte, que nos últimos 25 anos esteve na Avenida Brasil, foi durante muitos anos um marco do Distrito do Socorro e registra um dos fatos mais importantes da aviação brasileira, a travessia d Oceano Atlântico nos anos 20. Um verdadeiro feito para o início do século passado.
Em 1987, o então prefeito Jânio Quadros determinou que o monumento fosse movido para os Jardins, para ser protegido de uma série de depredações que vinha sofrendo, onde permaneceu até meados deste ano. Neste seu retorno ele ficará dentro do parque municipal da Barragem que é cercado e será iluminado, além de ficar exatamente em frente a um Distrito Policial, tudo isto para evitar que ele venha a sofrer qualquer dano no futuro.

Cultura - A polêmica escultura da Travessia do Atlântico (2)


“O monumento aos “Heróis da Travessia do Atlântico” (obra de Ottone Zorlini -Treviso, Itália, 1891 – São Paulo, 1967), sofreu vários danos exposto a céu aberto em São Paulo. Durante a Segunda Guerra Mundial, os feixes de bronze foram retirados e recolocados tempos depois. Detalhes decorativos de bronze que adornavam a coluna foram furtados, assim como as placas de bronze, com inscrições em italiano, repostas em mais de uma ocasião.

Em 1985, o Instituto Cultural Umbro-Toscano de São Paulo solicitou a readequação do local de implantação do monumento à Prefeitura. A entidade temia pela integridade da obra, instalada num ponto em que a avenida De Pinedo forma um ângulo de 90 graus, com intenso tráfego de ônibus e caminhões. Julgando que o monumento estava “escondido” em Santo Amaro, o prefeito Jânio Quadros determinou sua transferência, em 1987, para a praça Nossa Senhora do Brasil.

O fato, abordado exaustivamente pela imprensa, causou muita polêmica. Na praça, a obra foi pichada várias vezes, em manifestações de repúdio ao regime fascista e a Benito Mussolini. Esquecia-se que o monumento presta justa homenagem a um feito louvável para a época e expressa as ideologias presentes no momento de sua concepção e implantação”. (Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo)