sábado, 27 de março de 2010

História (131 )– "Far L´America (69)": Início da imigração em Guaratinguetá, Vale do Paraíba

Região cafeeira, o Vale do Paraíba foi outro centro de atração de imigrantes italianos que além de trabalhar nas plantações de café desenvolveram outras atividades. É o que relata Marco Antonio Giffoni Junior no texto "A Imigração Italiana na Cidade de Guaratinguetá (1880 - 1930)”  (Foto Guaratinguetá em 1901).

"Na compra de um lote de terra na Província de São Paulo, o imigrante se obrigava a tratar da conservação dos marcos tão logo recebesse o lote medido e demarcado e, depois disso, teriam um prazo de seis meses para deixarem a terra devidamente roçada e plantada, além de serem obrigado a construir uma casa para servir de habitação permanente de seus ocupantes.

O descumprimento de tais regras poderia acarretar na perda do terreno e de todas as benfeitorias nele realizadas e das parcelas da dívida com a Fazenda Nacional já pagas antes da perda da posse do terreno mas, haviam casos em que tal regra não era aplicada como no caso de enfermidade do proprietário, por exemplo. Somente eram dispensados da obrigação de morada e cultura efetiva os lotes de menor superfície, nos distritos urbanos, concedidos para qualquer fim de reconhecida utilidade, devendo ser aproveitados convenientemente no espaço de dois anos. Os primeiros núcleos coloniais agrícolas de São Paulo eram divididos em dois tipos: oficiais e particulares. Localizavam-se em diversas regiões do território paulista e, na região do Vale do Paraíba, o processo não foi diferente pois, existia um grande número de colônias, tanto particulares como oficiais, localizadas em cidades como Pindamonhangaba, Taubaté, Lorena, Paraibuna, Santa Isabel, Ubatuba, São Sebastião e outras mais. Atualmente, muitas informações à respeito de algumas dessas colônias se perderam, a maioria delas jamais fora estudada”

“Com a introdução do imigrante e a abolição da escravatura, começou a se desenvolver em Guaratinguetá o trabalho remunerado. Os imigrantes contribuíram muito com o desenvolvimento do município, sua colaboração consistiu na introdução de novas técnicas de trabalho oriundas das próprias condições em que viviam em seus países de origem. O número de imigrantes estrangeiros na cidade aumentou consideravelmente a partir de 1892, com o início das atividades da colônia do Piagui . Nessa ocasião, a cidade recebeu imigrantes das mais variadas etnias, que tiveram um papel de destaque na vida comunitária da cidade, exercendo sua influência tanto no meio urbano como no meio rural e, o imigrante italiano, nosso objeto de estudo, também participou deste processo. É praticamente impossível precisar quando teria vindo o primeiro imigrante italiano para Guaratinguetá, as fontes consultadas mostram que, antes de 1892, ano da fundação da Colônia do Piaguí, já havia a presença de italianos na cidade.

Esses imigrantes, em sua maioria financiaram a viagem para o Brasil por conta própria, o que lhes concedeu maior independência. Desses imigrantes, destacamos alguns nomes como Augusto Lucchesi, que começou como mascate e depois tornou-se proprietário de loja; Thomas Rocco, que montou uma relojoaria e posteriormente uma loja de artigos finos que por sinal existe até os dias atuais sob a direção de seus descendentes. Além desses dois nomes, destacamos também os irmãos Barone (alfaiates), Pascoale Panunzio (sapateiro), Rafael Bisseglia (padaria) e Felix Cioffi (médico)”.

História (130 ): Imigrantes e o Hospital Umberto I

 A assistência médico-hospitalar ao imigrante italiano tem no Hopsital Umberto I, em São paulo, um importante marco cuja criação é assim descrita por Maria do Rosário R. Salles e Luiz A. de Castro Santos no trabalho Imigração e médicos italianos em São Paulo na Primeira República

"A Sociedade Italiana de Beneficência se constituiu pouco antes do fim da Monarquia, num momento em que São Paulo contava com pouco mais de 25 mil habitantes e a comunidade italiana era ainda reduzida, com comerciantes e artesãos na sua quase totalidade. Uma aspiração da Sociedade desde o início foi fundar um hospital, projeto difícil de se realizar, uma vez que requeria recursos de que os sócios não dispunham. Dessa forma, primeiro abriu-se uma enfermaria no bairro do Bexiga, cuja população, no começo do século, era quase exclusivamente italiana. Em 1901, a criação do Fundo de Emigração pelo governo italiano proporcionou uma inesperada e oportuna ajuda financeira de 350 contos de réis, acrescida de uma subvenção a ser obtida do governo brasileiro, em função de um acordo firmado em novembro de 1896 entre os dois países, que previa a ajuda a iniciativas que visassem à melhoria das condições de assistência ao imigrante (Pisani, 1937). A Sociedade Italiana de Beneficência em São Paulo pôde inaugurar seu hospital em 1.º de janeiro de 1905, com um forte apoio, inclusive financeiro, da comunidade.

O fato, entretanto, do hospital ter sido criado com o intuito de atender aos imigrantes, sem restrições de 'raça, cor ou credo' (Lammoglia, 1954), criou desde logo dificuldades financeiras e administrativas para sua manutenção, em grande parte resultantes do crescimento do número de indigentes e pacientes de baixa renda, atendidos gratuitamente. Desta forma, com sucessivas contribuições pessoais e subscrições coletivas de italianos, dotações e subsídios do governo italiano, e também com o decisivo apoio financeiro do Conde Francisco Matarazzo18, funda-se uma casa de saúde anexa ao hospital, a Casa de Saúde Francisco Matarazzo, onde deviam funcionar as clínicas e serem atendidos pacientes particulares, cuja renda serviria para subvencionar o atendimento gratuito do hospital.

A Casa de Saúde seria o primeiro de uma série de empreendimentos, quase todos patrocinados pelo Conde ou pela família, todos favorecendo o hospital, a partir da renda gerada pelo atendimento à clientela pagante. Essa era a expectativa do Conde Matarazzo, anunciada no discurso de inauguração da Casa de Saúde, em 1917 (Lammoglia, 1954). A fundação do Hospital Umberto I em São Paulo, significou, por um lado, a possibilidade de incorporação de um número importante de médicos italianos e o incremento da imigração médica e, por outro, a alavanca para o seu desenvolvimento posterior como grupo e a base da constituição de sua visibilidade'

Italiani – Pietro Mari Bardi e as obras de artistas italianos no MASP (3)

Outra obra renascentista que Pietro Maria Bardi incorporou ao acervo do Museu de Artes de São Paulo foi a tela Ressurreição de Cristo do célebre pintor Raffaello Sanzio (Rafael). Trata-se de óleo sobre madeira medindo 52cm x 44 cm, executado entre 1449 e 1552. Foi doada ao Museu por Francisco Matarazzo Sobrinho e outras personalidades da elite paulistana. O Catálogo do MASP assim descreve Raffaello:

“Filho de Giovanni Santi (Sanzio é a sua forma latinizada), modesto pintor da corte de Urbino, é possível que sua iniciação artística tenha transcorrido sob a supervisão paterna. Contrariamente à regra, já aos 17 anos Rafael é precocemente tratado como magister (mestre) no contrato para um retábulo destinado à Citta di Castello ( S. Nicola da Tolentino, 1500 ), atualmente reduzido a quatro fragmentos. Segundo Camesasca, ele pôde neste momento já ter pintado a Ressurreição do Masp.

Nesta época, Rafael encontra-se associado ao pintor Evangelista da Pian di Meleto, prática que se verifica também com Perugino (Pietro Vanucci) e Pinturicchio (Bernardino de Betto), dentre outros. Até 1504, data em que o jovem artista transfere-se para Florença (1504-1508), sua produção gravita entre Urbino, Città di Castello e Siena. Segundo Vasari:"o Papa Pio II encomendara a Pinturicchio a decoração da Biblioteca do Duomo de Siena. Amigo e conhecedor de sua excelência como desenhista, Pinturicchio levou-o a Siena, onde Rafael fez para ele desenhos e cartões para aquela obra. Verifica-se então um breve colóquio com o decorativismo pictórico de Pinturicchio, já assinalado por Roberto Longhi (1976) acerca da Ressurreição do Masp.

Também Perugino seria determinante na configuração da poética juvenil de Rafael, o que não escapa a Vasari (1568), para quem a formação úmbria do pintor é assaz patente: 'estudando Rafael a maneira de Perugino, imitou-a tão precisamente e em tantas coisas, que não se reconheciam seus retratos dos de seu mestre, e, com segurança, não se dicerniam suas realizações das de Perugina'. Cavalcaselle (1884) observa que, no final do século, as obras de Perugino adquirem mais sentimento, candura e expressão, e seu desenho, não perdendo em força, possui mais graça.

Essas qualidades marcariam o início de um processo longo e quase imperceptível, no qual se revela a presença de Rafael juvenil no ateliê de Perugino. Longhi (1976) procura discernir a participação pontual de Rafael em obras de Perugino. Constata a mão do jovem artista na Natividade da Virgem (predella de um retábulo encomendado a Perugino para a igreja de Santa Maria Nuova, Fano), uma "quase emulsão poética com o punho vacilante de Perugino".

Finalmente, após uma decisiva estada em Florença, Rafael transfere-se em 1508 para a corte de Júlio II, onde é encarregado da realização de um dos dois maiores ciclos picturais de então, a decoração dos apartamentos papais no Vaticano (1508-1520), contemporânea à redecoração da Capela Sistina, confiada a Michelangelo (1508-1512). Neste momento de maturidade, consolida-se a separação de sua primeira formação úmbria, iniciada no contato com Andrea Verrocchio, Luca della Robbia, Signorelli, Filippo Lippi e Leonardo da Vinci, durante sua estada florentina e aprofundada durante sua estada romana (1508-1520) sob o impacto dos afrescos de Michelangelo”.

sexta-feira, 26 de março de 2010

História (129 ) - Imigração e médicos italianos (2 )

De acordo com a pesquisadora Maria do Rosário Rolfsen Salles, autora do trabalho Médicos italianos em São Paulo - 1890 a 1930 embora existam registros italianos atuando na Medicina no Brasil antes do período da imigração em massa, foi somente a partir do final da década de 1880. 
 
"As origens segundo o local de nascimento indicam que uma pequena parte dos médicos era proveniente da região Norte da Itália (8,5%) - do Vêneto, do Piemonte, da Lombardia e da Emília Romana -, sendo a maioria proveniente da Itália Meridional (34%) - sobretudo das regiões da Campânia, seguida pela Calábria, Sicília e Basilicata - e uma porcentagem de 18,4% das regiões da Itália Central - Lácio, Toscana, Úmbria e Marcas. A partir do começo do século, há um aumento de Meridionais, acompanhando a tendência geral dos imigrantes italianos, conforme análise realizada por Alvim (1986).

Não há, entretanto, uma coincidência absoluta entre o processo mais geral da imigração italiana e a imigração dos profissionais médicos no que se refere às origens, em virtude do expessivo número daqueles que vinham convidados por instituições brasileiras e que eram provenientes das universidades de Roma ou do Centro-Norte italiano. A origem segundo as universidades revela uma distribuição semelhante à procedência segundo o lugar de nascimento. O maior número, em torno de 35%, provém da Universidade de Nápoles (região da Campânia), seguida pelas Universidades de Roma (Lácio), Turim (Lombardia), Bolonha (Emilia Romana), Pisa, Módena, Siena Toscana ), e Palermo (Sicília), em proporções menores".

História (128 ) - Imigração e médicos italianos (1 )

O fenômeno da imigração italiana no Brasil teve reflexos em diversos setores da sociedade inclusive no chamado campo das profissões liberais. Um interessante relato de situações desse tipo vem do trabalho de Médicos italianos em São Paulo - 1890 a 1930  de autoria de Maria do Rosário Rolfsen Salles.   

“Os médicos italianos que se dirigiram para o Estado São Paulo constituem um grupo diferenciado em relação ao conjunto dos imigrantes italianos . Suas origens sociais, evidenciadas pela profissão do pai ou pela posição social que a família ocupava na Itália, seus títulos, sua formação, suas relações indicam um conjunto de famílias bastante distintas socialmente: famílias tradicionais de profissionais liberais, médicos, juristas, altos funcionários, advogados etc.; famílias de origens aristocratas, inscritas, algumas, no elenco oficial de condes e barões; famílias burguesas e, em alguns casos, de proprietários rurais, em geral, pequenos agricultores em dificuldade”.

“A opção pela emigração deveu-se, em larga medida, a uma série de circunstâncias que diziam respeito às peculiariadades das famílias de origem dos médicos e à sua estruturação. Por outro lado, deveu-se ao lugar que a própria Medicina italiana ocupava no rol das demais profissões. Com as mudanças introduzidas pela universalização das relações capitalistas na sociedade italiana, decorrente do processo tardio de unificação política do Estado, as famílias já não representavam um caminho seguro e certo de uma colocação definitiva na carreira. Além disso, a carreira militar, a carreira jurídica e outras eram mais viáveis e desfrutavam de maior prestígio do que a Medicina. À competição por postos de trabalho somava-se, no caso da Medicina, uma competição interna inserida numa rígida hierarquia profissional”.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Italiani: Os missionários scalabrinianos (4)

Na obra missionária do padre Giuseppe (José) Marchetti religiosas italianas da Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo tiveram papel fundamental. O site da  Congregação conta como tudo começou.


"Em 1895, Pe. José Marchetti, missionário scalabriniano, sentindo a urgência do ramo feminino para atender os órfãos migrantes no Orfanato Cristóvão Colombo por ele fundado em São Paulo, Brasil, preparou, reuniu e apresentou a Scalabrini as quatro primeiras Irmãs: Carolina Marchetti, Assunta Marchetti, Ângela Larini e Maria Franceschini, que as admitiu aos votos religiosos e as enviou à missão. Durante a travessia as quatro pioneiras, migrantes com os migrantes, dedicaram as primícias de sua vocação, dando catequese a 86 crianças que, ao desembarcarem em terras brasileiras, receberam a primeira eucaristia das mãos de padre José Marchetti, co-fundador e capelão de bordo.

O Orfanato Cristóvão Colombo, SP, sediou a primeira comunidade de Irmãs MSCS e os órfãos ali acolhidos foram os primeiros destinatários de sua missão. Em diversas circunstâncias o Orfanato do Ipiranga mereceu de João Batista Scalabrini uma especial menção como a que consta em relatório enviado à Propaganda FIDE, datado de 10 de agosto de 1900: 'A bordo do navio em que viajava um Missionário, Pe. José Marchetti (ex-professor no Seminário de Lucca), morria uma jovem mãe, deixando um orfãozinho bebê e o esposo sozinho, desesperado.

O Missionário para acalmar aquele desolado que ameaçava jogar-se ao mar, prometeu-lhe cuidar da criança, e como prometeu fez. Chegou ao Rio de Janeiro, levando no colo aquela inocente criaturinha e apresentou-se com ela ao exímio conde Pio de Savoia, no momento cônsul geral daquela cidade. Ele não pôde dar ao jovem Missionário mais que palavras de encorajamento, mas tanto bastou para que este, batendo de porta em porta, chegasse por fim a deixar o pobre orfãozinho com o porteiro de uma casa religiosa. Daquele momento em diante a idéia de fundar em São Paulo (onde tinha chegado) um orfanato para os filhos dos italianos não lhe saía da cabeça e, com grandes sacrifícios, conseguiu fundá-lo de fato. Agora tem seis anos de vida, com 200 orfãozinhos e um mártir que reza por eles no céu, porque as grandes fadigas que suportou, custaram a vida ao piedoso e zeloso Missionário. Descanse em paz a sua alma, já pronta para o céu aos trinta anos!'

Com o desdobramento do Orfanato do Ipiranga, a sessão feminina do mesmo estabeleceu-se em Vila Prudente onde, em 1907, as Irmãs sob a liderança de Madre Assunta Marchetti puderam fixar a sede geral da Congregação e crescer na identidade MSCS. A partir de 1915 a família religiosa expandiu-se no Rio Grande do Sul, em áreas de colonização italiana. O início da Congregação foi acompanhado de sucessivas dificuldades, mas foi um período rico de frutos de santidade e de afirmação da identidade congregacional graças à fidelidade carismática da co-fundadora Madre Assunta Marchetti. O decreto de Pio XI, de 13 de janeiro de 1934, aprovando ad experimentum, por sete anos, as novas constituições, legitimou a Congregação como instituto religioso de direito pontifício. Seguiu-se uma época de florescimento de vocações e nova expansão das obras da Congregação.

Em 1936 ela atingiu o local de partida das quatro pioneiras, estabelecendo-se em Piacenza, Itália. Em 1941 alcançou os Estados Unidos. A re-interpretação do carisma feita por ocasião do Capítulo Especial, 1969-1971, sobretudo a opção pelo serviço pastoral junto a migrantes de todas as nacionalidades favoreceu maior internacionalização da Congregação MSCS nas Américas, na Europa, Ásia e África. Hoje a Congregação é constituída de seis províncias: Nossa Senhora Aparecida, Imaculada Conceição, São José, Nossa Senhora de Fátima, Cristo Rei e Maria, Mãe dos Migrantes.

A sede geral esteve no Brasil até 1960, ano em que foi transferida de Vila Prudente para Itália, primeiro em Acilia, periferia de Roma e desde 1982 em Roma - centro, onde agora se encontra. A Congregação desenvolve sua missão através da catequese, educação cristã, pastoral da saúde, pastoral social e das migrações, atuando em escolas, hospitais, orfanatos, presídios, centros de menores, asilos de anciãos, casas de formação, comunidades étnico-culturais, paróquias, dioceses, conferências episcopais, organismos internacionais, organizações civis, centros de promoção e de serviços de escuta, acolhida e centros de estudos e de documentação.

Em resposta aos desafios da mobilidade humana e fiel à missão que a Igreja lhe confiou, a Congregação marca presença pelo testemunho de vida consagrada no serviço evangélico-missionário aos irmãos em mobilidade e, de preferência os pobres e necessitados. O espírito que a anima é aquele da comunhão universal porque deseja visibilizar a vocação dos membros de reconhecer e amar Cristo na pessoa do migrante.

Italiani: Os missionários scalabrinianos (3)

Na missão dos religiosos scalabrinianos em terras brasileiras destaca-se o trabalho do padre Giuseppe (José) Marchetti. Em 1895, em São Paulo, ele fundaria o Orfanto Cristóvão Colombo para acolher filhos e filhos órfãos de imigrantes. O site a ele dedicado relata a obra deste religioso italiano.

“Padre José Marchetti nasceu aos 3 de outubro de 1869, em Lombrici, distrito de Camaiore, na província de Lucca, Itália. Contam os familiares que às vésperas de partir para a Argentina um tio, o franciscano Padre Jerônimo Marchetti, abençoou o recém-nascido, pedindo a Deus que o fizesse um bom sacerdote missionário. No dia 3 de abril de 1892 foi ordenado sacerdote e celebrou sua primeira missa solene na cidade de Capezzano. Entre os convidados, achava-se o velho missionário franciscano. Durante o banquete aquele veterano das missões na América, polarizou a atenção de todos com seus contos missionários, mas especialmente a do jovem sacerdote.

Por fim, Padre José Marchetti não pôde mais manter secreto o seu propósito e revelou que também ele, há muito tempo, sentia-se chamado à mesma missão. De caráter reto e vontade férrea, depois de ter posto a mão no arado, não mais olhou para trás e se fez missionário e mártir para os irmãos mais pobres: órfãos e imigrantes italianos no Brasil.

No final do século passado, os problemas sociais eram muito graves na Itália. A realidade era dramática. A miséria atingia especialmente os camponeses. Por isso, milhões deles abandonaram a Itália em busca de melhores condições de vida. Padre Marchetti viu partir metade de seus paroquianos, decididos a emigrar para o Brasil. Ele mesmo os acompanhou até o Porto de Gênova para ajudá-los no momento da partida, impedindo-os de caírem nas mãos de agentes inescrupulosos, como acontecia freqüentemente. Esse primeiro contato com a dura realidade, somado a uma vocação missionária já revelada e a conferência sobre a emigração, proferida por Dom João Batista Scalabrini, em Lucca, em 1892, interpelaram fortemente o coração do Padre Marchetti, motivando-o a dar uma resposta generosa de doação total, em favor dos imigrantes italianos no Brasil.

Como missionário externo da Congregação dos Missionários de São Carlos, comprometeu-se a acompanhar os emigrantes durante a travessia, como capelão de bordo nos navios da emigração. Em outubro de 1894, realizou sua primeira viagem ao Brasil. O apostolado com os emigrantes italianos nos navios e o contato com a situação dos emigrantes alargou sua visão sobre o problema migratório e aumentou-lhe o desejo de encontrar soluções.

Um episódio ocorrido durante a segunda viagem ao Brasil, em janeiro de 1895, teve um papel importante nessa busca. Esta viagem definiu o futuro do Padre Marchetti. Tinha ele, então, 25 anos. Durante a viagem, morreu uma jovem senhora deixando o marido com uma criança de colo. O homem estava tão desesperado que ameaçava jogar-se ao mar. Para tranqüilizá-lo, Padre Marchetti prometeu cuidar da criança. Naquele lance de amor decidiu sua vida e sua morte. Tornou-se para sempre o missionário dos emigrantes e o pai de seus órfãos. No Rio de Janeiro, Padre Marchetti desceu do navio, levando no colo a criancinha. Bateu em diversas portas para encontrar uma pessoa disposta a acolher o órfão. Daquele momento em diante, Padre Marchetti teve uma só idéia: construir, em São Paulo, um orfanato para os filhos órfãos dos imigrantes italianos e dos antigos escravos, dispersos pelas cidades e fazendas. Esta idéia, nutrida pro sua grande na Providência Divina e no desejo de fazer o bem, em pouco tempo, tornou-se realidade. Surgiu, assim, o Orfanato Cristóvão Colombo, no alto da Colina do Ipiranga, na cidade de São Paulo.

Chegando em São Paulo, Padre Marchetti encontrou-se com o benemérito Conde José Vicente de Azevedo, do qual obteve, em doação, um vasto terreno na Colina do Ipiranga. Os trabalhos de construção do Orfanato foram iniciados em 15 de fevereiro de 1895, em ritmo acelerado. No prazo de 9 meses, aos 8 de dezembro do mesmo ano, o novo orfanato, denominado Cristóvão Colombo, abriu suas portas aos primeiros 80 órfãos. A fé, a esperança e a caridade, irremovíveis, guiaram o Padre Marchetti a uma vida religiosa-missinária-apostólica tão intensa que frutificou em grandes e inexplicáveis realizações no Brasil, no breve espaço de 22 meses. Padre José Marchetti morreu em conceito de santidade a 14 de dezembro de 1896. Selou sua obra com o martírio.

No mesmo dia, Padre Natal Pigato, informando a Dom João Batista Scalabrini sobre a Morte de Padre José Marchetti, escreveu: “Morreu um santo! Estava pronto para o céu. Deus o quis ao seu eterno repouso. Assim tão cansado, consumido pelas fadigas, devorado pelos contínuos sacrifícios por amor aos seus orfãozinhos, pelos quais não parou nunca, nem de dia, nem de noite, para encontrar par ele o pão de cada dia. Terminou a sua vida, deixando-nos nas mãos da Providência”. Padre Marchetti, além de gestos heróicos, realizou, sobretudo, os pequenos atos de cada dia com simplicidade, humildade e caridade. A vida dele foi como um mosaico: que se compunha de tantos pequenos fragmentos de cotidiano.

Ele acreditava nas verdades da fé e agia como acreditava, falava como sentia e se comportava como falava. Assim, ensinou aos cristãos o modo mais simples para se chegar a união com Deus e a todos indicou a coerência entre o pensamento e a ação. Padre José Marchetti viveu pouco mais de 27 anos. Sua vida foi como a passagem de uma estrela cadente, porém com um rastro e com um testemunho que nos ilumina ainda hoje".